sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

amanhã é outro dia, aprendi isso ontem




Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos,
basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?
Partimos. Vamos. Somos.


Sebastião da Gama



* 




* (it's hard, hard not to sit on your hands/and bury your head in the sand/hard not to make other plans/and claim that you've done all you can all along/and life must go on/it's hard, hard to stand up for whats right/and bring home the bacon each night/hard not to break down and cry/when every idea that you've tried has been wrong/but you must go on/it's hard but you know it's worth the fight/'cause you know you've got the truth on your side/when the accusations fly, hold tight/don't be afraid of what they'll say/who cares what cowards think, anyway/they will understand one day, one day/it's hard, hard when youre here all alone/and everyone else has gone home/harder to know right from wrong/when all objectivities gone/and it's gone/but you still carry on/'cause you, you are the only one left/and you've got to clean up the mess/you know you'll end like the rest/bitter and twisted, unless/you stay strong and you carry on/it's hard but you know i'ts worth the fight/'cause you know you've got the truth on your side/when the accusations fly, hold tight/don't be afraid of what they'll say/who cares what cowards think, anyway/they will understand one day, one day...) ** e é isto mesmo.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo

(Japão, março de 2011)

"Sendai, 15/03/11

Sinto-me uma minúscula partícula de tinta em uma obra de arte surrealista. Mas também bendito por ter amigos maravilhosos que estão me ajudando muito. Agora hospedo-me em casa de um amigo. Compartilhamos de tudo: água, alimentos e um aquecedor a querosene. Dormimos em fila em um só cômodo, comemos à luz de velas, compartilhamos histórias. É quente, amigável, bonito.

Durante o dia ajudamos uns aos outros a limpar a desordem. O pessoal senta nos automóveis, olhando as notícias em suas TVs, ou vão para a fila da água potável, quando a fonte está aberta. Se alguém tem água corrente em suas casas, deixam um sinal para que o pessoal traga suas vasilhas. Absolutamente incrível é que onde estou não aconteceram saques, nem empurrões nas filas. O pessoal deixa aberta a sua porta principal, já que é mais seguro quando tem um terremoto. A gente segue dizendo: "Oh! Assim é como nos velhos tempos, onde todos se ajudavam mutuamente!"

Nada é lavado durante vários dias. Sentimo-nos imundos, mas por fora. Existem preocupações muito mais importantes para nós agora. Encanta-me essa conformação com o não essencial. Viver plenamente do instinto, da intuição, do cuidado, do que se necessita para a sobrevivência, não só minha, porém de todo o grupo. Outra coisa incrível é que parece existir estranhos universos paralelos se sucedendo: as casas estão uma desordem, entretanto, em muitos lugares, estão com os varais cheios de roupa secando ao sol. O pessoal faz sacrifícios para conseguir água e alimentos, entretanto algumas pessoas vão caminhar com seus cachorros. Tudo ocorre ao mesmo tempo - até percebemos toques inesperados de beleza - o silêncio da noite, por exemplo. Não existem automóveis rodando. Não se encontra ninguém nas ruas. E os céus à noite se encontram cheios de estrelas. Em geral se vê poucas, mas agora são muitas estrelas. As montanhas de Sendai permancem sólidas como há séculos e com o ar fresco pode-se ver os seus recortes contra o céu, magnificamente.

Volto à minha casa (mais para um barraco depois de toda a destruição) todos os dias, agora para enviar esse e-mail, desde que a eletricidade esteja operante, e encontro alimentos e água que alguém deixou na entrada. Não tenho nem idéia de quem os colocou. Os anciões com chapéus verdes vão de porta em porta, para ver se tudo está bem. Toda gente conversa com estranhos, todos oferecendo ajuda e informação. Não vejo sinais de temor. Resignação sim, porém nem medo nem pânico. Dizem-nos que podemos esperar réplicas, inclusive com terremotos importantes, por um mês ou mais. Estamos tendo tremores constantes, movimentos, sacudidas, ruídos... Tenho a sorte de viver em Sendai, que é uma região elevada, um pouco mais sólida que outras regiões desta ilha.

Ontem o marido de uma amiga chegou do interior do país, trazendo alimentos e água. Bendições de novo. Não sei como descrever, mas às vezes é que como saíssse de mim e olhasse tudo de cima. E o que vejo é o futuro. Que estamos dando um enorme passo evolutivo, justamente nesse momento. Sinto em meu coração uma ampla abertura. E não há como descrever isso com palavras...

Meu irmão me perguntou como é sentir-se tão pequeno e frágil diante da força destruidora da natureza. Respondi que não me sinto assim. Em nenhum momento senti-me fraco. Ao contrário, sinto que faço parte de algo muito maior do que eu. Sugeri a ele que percebesse a Terra como uma gestante prestes a parir. O que sentimos, aqui no Japão, foram suas contrações, uma enorme onda vibratória que antecede o parto. Dolorido, porém divino.

Envio amor a todos;


Inácio Amaral

...



(outono no Japão, outubro 2011)


"Tudo vai, tudo volta; eternamente gira a roda do ser.

Tudo morre, tudo refloresce; eternamente transcorre o ano do ser.

Tudo se desfaz, tudo é refeito; eternamente constrói-se a mesma casa do ser.

Tudo se separa, tudo volta a se encontrar; eternamente fiel a si mesmo permanece o anel do ser.

Em cada instante começa o ser; em torno de todo o aqui rola a bola acolá.

O meio está em toda parte. Curvo é o caminho da eternidade."



F. W. Nietzsche in Assim falou Zaratustra



*





* em 2012, como ontem e sempre, permaneço enviando amor a todos. Obrigada pela visita! ** carta recebida por correio eletrônico à época da tragédia no Japão, em março deste 2011. *** citação no título: Mateus, capítulo 6.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

pela vida, graça renovada a cada momento...



...

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
A beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdeste.
Não é o irmão que já perdeste.
Ou eu.
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.

Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.


Manuel Bandeira



*





* quem é do sul do Brasil já é familiarizado com esta canção [que tem sido tema de final de ano do canal RBS de televisão, desde 1985]. Para os do "norte", a oportunidade de conhecer: "Vida é chuva, é sol. Um barquinho a rolar. Um retrato, um farol. Que será, que será? Vida é o filho que cresce, uma estrada, um caminho.É um pouco de tudo, é um beijo, um carinho. É um sino tocando, uma fêmea no cio. É alguém se chegando, é o que ninguém viu. É discurso, é promessa. É um mar, é um rio. Vida é revolução, é deixar como está. É uma velha canção. Deus nos deu, Deus dará. Vida é solidão, é a turma do bar. É partir sem razão, é voltar por voltar. Vida é palco, é platéia, é cadeira vazia. É rotina, odisséia, é sair de uma fria. É um sonho tão bom. É a briga no altar. Vida é o grito de gol. É m banho de mar. É inverno, é verão. Vida é mentira, é verdade. Quem sabe a vida é da vida a razão". ** para todos os que me fizeram vibrar em 2011: gracias por la vida!

Balanço




"... a cada fim de ano, repito: nossos planos são muito bons, como na canção dos Doces Bárbaros, nossos planos são recicláveis, como os de mil novecentos e antigamente...

Nossos planos são os mesmos que se arrastam desde seculus seculorum, nossos planos são tão conhecidos, tão íntimos, eles nos acompanham há tanto tempo que viraram nossos amantes, nossos melhores amigos.

Nossos planos renascem a cada fim de ano como os nossos melhores cúmplices. Nossos planos sabem que se os realizássemos à risca a vida perderia a graça, seríamos perfeitos demais.

Nossos planos são muito bons, mas sinto muito por eles, coitados, mais uma vez não serão cumpridos na íntegra no ano da graça de 2012. Cumpriremos, no máximo, os 10% da humaníssima cota do possível, os 10% do garçom, justa medida.

Nossos planos são muito bons, mas, como sempre, ainda temos o benefício da dúvida, ainda temos a complacência e, se, por acaso, faltar alguma conversa fiada no estoque, botamos a culpa nos outros – nosso inferno mais próximo.

Nossos planos se espreguiçam, estralando todas as juntas e costelas, quando ouvem falar outra vez de novos planos.

Nossos planos estão dengosos, como nunca, para o ano novo, nossos planos querem colo... e adoram uma rede depois do almoço."


...



  • na semana internacional do "balanço"
  • quando se pondera o que foi e o que será
  • se vamos ou ficamos,
  • quando listamos os desejos que ficaram pra trás 
  • e as resoluções
  • mais uma vez à frente
  • (tão à frente que mal se alcança)
  • ...
  • limito-me a balançar diariamente,
  • na corda bamba que a vida me deu
  • e que, pelo vivido,
  • vai estar sob meus pés até ao fim
  • (até o chão parecer mais atraente
  • - ou eu mais cansada e descrente) 
  • e cair... 

  • sem esmorecer!
  • mas intimimante ansiando
  • por uma rede que embale os meus sonhos
  • um colo que abrigue meu corpo
  • um ninho 
  • - que é mais que um lar e além de um amor -
  • pra chamar de meu.


*



* em aspas: trecho desta crônica, do Xico Sá ** nas fotos: Flederhaus em Viena, na Austria (ou quando a arquitetura decifra os sonhos do homem) e casulo dos designers Daniel Pouzet e Fredy Frety... 

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sofrer pra quê?



"Privamo-nos para mantermos a nossa integridade, poupamos a nossa saúde, a nossa capacidade de gozar a vida, as nossas emoções, guardamo-nos para alguma coisa sem sequer sabermos o que essa coisa é. E este hábito de reprimirmos constantemente as nossas pulsões naturais é que faz de nós seres tão refinados. Por que é que não nos embriagamos? Porque a vergonha e os transtornos das dores de cabeça fazem nascer um desprazer mais importante que o prazer da embriaguez. Por que é que não nos apaixonamos todos os meses de novo? Porque, por altura de cada separação, uma parte dos nossos corações fica desfeita. Assim, esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que na busca do prazer."

 Sigmund Freud




*






* vou à praia refletir nisso e volto só depois que chegar à alguma conclusão, pode ser? ** (deve ser também por isso que brasileiros têm fama de hedonistas e sensuais: dá pra pensar em alguma coisa com tanto sol na cabeça e uma costa desta imensidão e beleza?)

O valor das orações (de todas as fés)




"Na juventude, eu era um revolucionário e rezava assim:'Dá-me energia, ó Deus, para mudar o mundo!' Quando cheguei à meia-idade, notei que metade da vida já passara sem que eu tivesse mudado qualquer pessoa.
Então, mudei minha oração, dizendo a Deus: 'Dá-me a graça, Senhor, de transformar os que vivem comigo dia-a-dia, como a minha família, os meus amigos; com isso já ficarei satisfeito'.
Agora que sou velho e tenho os dias contados, percebo como fui tolo ao rezar assim.
A minha oração, agora, é apenas esta: 'Dá-me a graça, Senhor, de mudar-me a mim mesmo'.
Se eu tivesse rezado assim, desde o princípio, não teria desperdiçado a minha vida".

Sufi Bayazid
 

 
*
 
 
 

 
* para todos os que entraram aqui por esta oração (recorde absoluto de visualizações no bloguito esta semana, thanks!). ** Yusuf Islam é o nome adotado por Cat Stevens após sua conversão à fé muçulmana.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

dias [de verão] à beira mar...



"...porque hoje a saudade me acordou com cheiro de mar. depois grudou na minha pele feito areia fininha, ardendo com a falta que você me faz."

Silvana Tavano



*





* eu quero ficar com você, quero grudar em você, quero me bordar em você, quero virar sua pele, quero fazer uma capa, quero tirar sua roupa." (Mallu) ** e que esse sol inclemente, que anda derretendo meu juízo, derreta também teu gelo, amém!

domingo, 18 de dezembro de 2011

Experienciando



Há uma velha sabedoria popular que diz que não existe melhor maneira de investir seu tempo e dinheiro do que numa viagem, nem que seja só mental.


Entre um carro novo e uma nova aventura, a segunda opção é melhor porque é a que vai estar em cartaz naquele famoso filminho que passa na nossa cabeça quando a gente está prestes a morrer. Experiências são melhor investimento que coisas.

Agora, essa sabedoria popular, mais bonita na teoria que na prática, foi cientificamente comprovada - com 57% dos pesquisados optando por experiências. Até aí, pouca novidade. A lista de motivos para justificar essa escolha é que vale um minuto do seu tempo: argumentos racionais para justificar ímpetos - não é o máximo?


Então, prepare-se para passar reto pelas vitrines do shopping e "experienciar":
  1. Experiências melhoram com o tempo. São reinterpretadas e ganham novos significados a medida que você vai envelhecendo. Coisas, pioram com o tempo.
  2. Experiências duram mais. Ficam para sempre na sua memória e podem ser revividas. Coisas, acabam.
  3. Experiências escapam de comparações cruéis porque são únicas. Coisas (principalmente as do vizinho), são comparáveis e invejáveis.
  4. Experiências, também por serem únicas, demandam uma adaptabilidade maior (passar um mês numa tribo de índios). Coisas, são compatíveis na essência, para facilitar seu consumo e "esvaziam" mais rápido, perdem o encanto (aliás, tem coisas que perdem o encanto na hora seguinte à compra, é irritante).
  5. Experiências tendem a ser mais sociais, parte fundamental de qualquer teoria de felicidade, autoestima, etc.
  6. Experiências podem ser compartilhadas, sem que que o dono deixe de possuí-las. Pelo contrário: todos os envolvidos ficam mais ricos, o valor da experiência aumenta.



*






* daí, já pensou no seu presente de Natal? naquele que a gente oferece a si mesmo? taí uma boa sugestão. ** mais um texto sugadinho (suavemente e de canudinho) do Wagner Brenner (só o neologismo do título e no corpo do texto é coisa minha).

sábado, 17 de dezembro de 2011

Original, exclusivo e autêntico


  • uma cena frequente nas vidas das gentes:
  • entre os muitos caminhos que nos são oferecidos,
  • há sempre um momento de decisão,
  • um clímax que implica em uma única e tão somente
  • escolha
  • e justamente o que parece uma benção
  • [termos tantas opções]
  • pode muito ser a nossa maldição:
  • ou permanecemos na cama que nos aquece e conforta
  • ou levantamos e seguimos para o trabalho.
  • ou percorremos o caminho reto
  • o mesmo, que já fazemos de olhos fechados,
  • sem surpresa nem desvio
  • ou optamos por aquele outro que nos provoca a cada curva
  • ...

  • e é bem isso que sugere este comercial português
  • uma declaração em forma de vaticínio:
  • um dia podes acreditar que tens de ir para onde toda a gente vai
  • ...
  • [pausa para o esgar de terror!]
  • ...
  • [e mais uma para o slogan, tão genial quanto enxuto na provocação vital que encerra]
  • ...
  • "mantém-te original!"
  • fabuloso! como dizem, muito precisamente, os portugueses
  • e muitos urras - e é pique, e é pique!-
  • à recusa da profecia rotineira e cinzenta dos dias!
...

  • à propósito deste mesmo anúncio,
  • revisitei esta declaração do escritor Neil Gaiman
  • [um conselho para novos escritores,
  • que funciona à perfeição para os que, como eu,
  • encontram-se na encruzilhada das escolhas]: 

"Comece por contar as histórias que só você pode dizer. Haverá sempre pessoas muito melhores que você em fazer isso ou aquilo - mas só você é o único você! Tarantino, por exemplo - você pode criticar tudo o que Quentin faz - mas ninguém escreve tarantinamente como o próprio Tarantino. Ele é único e fiel ao seu próprio ponto de vista - sempre mutante - mas seu, exclusivo, individual. Há escritores muito mais inteligentes e talentosos aí fora; um sem fim de pessoas mais competentes do que eu em muitas áreas. Isto não é modéstia ou humildade. É a realidade! Mas não há ninguém melhor ou mais capaz do que eu para escrever uma história de Neil Gaiman."

    *







    * seguindo o conselho de Gaiman, reescrevo este post, de uma forma muito minha - lucienisticamente - sintética e definitiva: seremos sempre nossas melhores escolhas. 

    ** e haja coragem!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Feeling this way today



  • e eu que vivia pela chance de, finalmente chegar em casa e ler, ler, ler até morrer de prazer...
  • ando fazendo dos "meus amantes" a porta de entrada para os reinos de Morfeu:
  • basta abrir um livro pras pálpebras tombarem!
...

  • nunca pensei que diria isso, mas tô implorando: insônia, VOLTA! 

...
  • (ao menos tenho uma boa razão pra não me importar que o mundo acabe em dezembro de 2012:
  • com tantos livros na fila para serem degustados,
  • o próximo ano promete!)


*





* e o bloguito vai ficando sem inspiração... sorry, queridos, mas a realidade anda muito chatinha: pra colorir a vida  - e este espaço! - só com muita literatura!

Pentimento


Pentimento é a palavra italiana para arrependimento, mas designa (em muitas línguas) uma pintura, um desenho ou um esboço encoberto pela versão final de um quadro.


Às vezes, com o passar do tempo, a tinta deixa transparecer uma composição em cima da qual o artista pintou uma nova versão.


Outras vezes, os raios-x dos restauradores desvendam opções anteriores, que permaneceram debaixo da obra final. Esses esboços ou pinturas, que o artista rejeitou e encobriu, são os pentimentos, que foram descartados sem ser propriamente apagados.


Visível ou não, o pentimento faz parte do quadro, assim como fazem parte da nossa vida muitas tentações e muitos projetos dos quais desistimos. São restos do passado que, escondidos e não apagados, transparecem no presente, como potencialidades que não foram realizadas, mas que, mesmo assim, integram a nossa história.

O escritor e psicanalista Contardo Calligaris, na coluna de 8/12, na Folha de São Paulo explica como esse sentimento se manifesta:

  • "Nossas vidas são abarrotadas de caminhos que deixamos de pegar; são todos pentimentos, mais ou menos encobertos: histórias que não se realizaram. Por que não se realizaram? Em geral, pensamos que nos faltou a coragem: não soubemos renunciar às coisas das quais era necessário abdicar para que outras escolhas tivessem uma chance. E é verdade que, quase sempre, desistimos de desejos, paixões e sonhos porque custamos a aceitar que nada se realiza sem perdas: por não querermos perder nada, acabamos perdendo tudo.
  • O problema dos pentimentos é que eles esvaziam a vida que temos. O passado que não se realizou funciona como a miragem da felicidade que teria sido possível se tivéssemos feito a escolha "certa". Diante disso, de que adianta qualquer experiência presente?
  • Nem sempre os pentimentos são bons conselheiros - até porque, às vezes, eles são falsos. Hoje, é fácil esbarrar em espectros do passado: as redes sociais proporcionam reencontros improváveis e, com isso, criam pentimentos artificiais. Graças às redes, uma história que foi realmente apagada da memória (não apenas encoberta) pode renascer como se representasse uma grande potencialidade à qual teríamos renunciado.
  • No reencontro, um namorico da adolescência, insignificante e esquecido, transforma-se em (falso) pentimento, ou seja, numa aventura que poderia ter aberto para nós as portas do paraíso (onde ainda estaríamos agora, se tivéssemos ousado trilhar esse caminho).
  • Quando examino as fotos de minhas turmas do colégio, sempre fico com a impressão de que deixei amizades e amores inacabados ou nem começados, mas que teriam revolucionado meu futuro.
  • Somos perigosamente nostálgicos de escolhas passadas alternativas, que teriam nos levado a um presente diferente. Se essas escolhas não existiram, somos capazes de inventá-las - e de vivê-las como pentimentos.
  • Os pentimentos não são necessariamente recíprocos e os falsos pentimentos, revisitados, são pequenas receitas para o desastre."



*





* fui apresentada ao vocábulo pentimento há quase 20 anos, através do livro com título homônimo, da Lilian Hellman (outra intervenção luxuosa do ilustrado Beto Mafra). após a leitura, ficou-me a sensação melancólica de que o pentimento é inerente e inevitável, assim como também a confusão que ele cria... feito estampa a imagem que ilustra o post. ** enquanto escrevia, ouvi I can't make you love me/Nick time, na versão do Bon Iver... pareceu-me uma boa sugestão pra ti, também. 

sábado, 10 de dezembro de 2011

Fortalece-me, com coragem e lucidez...


Senhor, protege-me das prisões do comodismo, da platitude e da estagnação. Dá-me coragem, loucura e tesão para viver sem medo de mim e dos meus sonhos. Dá-me asas e ventos, insônias e angústias, inquietações e algum sofrimento, para que eu possa dizer sim à Vida.

Desperta-me, Senhor! Sopra-me palavras inéditas, inspira-me com lampejos e intuições. Tira-me do sério, dos trilhos, da forma. Dá-me sobressaltos e suspiros, desvarios e fome. Dá-me plena posse de mim mesma, para o bem e para o mal.

Assombra-me, Senhor! Não permita que eu me afaste do que me identifica, que eu esqueça o que me alegra ou cale o que me traduz. Insufla-me, instiga-me, exige-me ser. Livra-me dos boicotes e adiamentos que eu mesma me imponho. Dá-me paz e paixão, alternadamente, como a chuva e a estiagem - já que uma só existe quando a outra desiste. Faz-me entender que há mais dano no medo de viver do que no medo de morrer.


Hilda Lucas



*







* porque a chuva também pode ser libertadora...

Viver é um rasgar-se e remendar-se


"Todo caminho da gente é resvaloso.

Mas também, cair não prejudica demais - a gente levanta, a gente sobe, a gente volta.

O correr da vida embrulha tudo: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.

Inútil fugir, inútil resistir, inútil tudo. A vida é assim: o que ela quer da gente é coragem!" 
 
...
 
 
"A natureza da gente não cabe em certeza nenhuma. Fino, estranho, inacabado, é sempre o destino da gente. Qual o caminho? Nem para frente nem para trás: só para baixo. Ou para cima. Melhor parar curto quieto. Feito os bichos fazem. Viver... o senhor já sabe: viver é etcétera..."
 
 
 
João Guimarães Rosa
 
 
 
*
 


 
 
* à procura de coragem, lembrei do sertanejo - "o sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar". Guimarães Rosa e seu Riobaldo são guias mais que experientes para esta jornada. e ainda iluminam o caminho: "vou ensinar o que agorinha eu sei demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro." ** gravura "Riobaldo e Diadorinha", de Rogério Fernandes *** frase no título e aqui, nas aspas, tudo do mestre Guimarães.

Conjugando o verbo "viver"


Funciona assim: uma vez no poço, há que enfrentar destemidamente o olho que te encara lá do fundo. Desembaraçar-se do lodo que sufoca, exaure e puxa pra baixo, feito areia movediça. E finalmente perceber o que somos, o que temos e o que queremos da vida.

E se é verdade que nem sempre o fundo é a pior perspectiva, é verdade também que custa muito [e dói, dói, dói] chegar a este ponto. O passado ata pés e braços: arrasta-nos! É que o "senhor das memórias" não gosta de ser negado. Primeiro avisa: uma infelicidade; saudades não de gente, mas de alegria; faz doer os joelhos, as costas, inflama os tendões, enrijece. Emite sinais todas as manhãs e ao anoitecer. Depois, no meio da noite. Então começa a gritar, nos ouvidos, cada vez mais alto, de dentro pra fora, até o ensurdecimento, até a loucura. Implora por aceitação, que nos orgulhemos dele. Só assim nos alforria, libertando-nos, desimpedidos, para o futuro.

Aqui não cabem culpa, remorso ou moral religiosa: as asneiras e os erros que cometemos ao longo da vida, mesmo acreditando já esquecidos ou riscados do mapa, um dia batem à porta, um a um, para um acerto de contas.

E é bem neste momento, quando percebemos o quão frágeis somos, o quão vulnerável pode ser a vida, quando damos tudo aquilo que somos e temos como certo, que o sopro da dúvida sacode a poeira dos nossos olhos e feito esfinge pergunta: "você é um homem ou um poste?"
 
 
...

Viver não é sorte ou destino. É uma escolha.
 
 
 
 
*
 
 
 
 
 
* dezembro é meu mês bipolar: alterno momentos de nostalgia e esperança com muitas horas de silêncio e deprê. não sei o que aciona isto. nem como acaba - já passei anos a fio vivendo um mesmo dezembro...

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Por favor, dezembro, seja bom...


Chega o final do ano e começo a correria: casa pra limpar, contas a pagar, listas do que fazer, listas do que comprar, felicitações a escrever e responder, murchar a barriga pro biquíni, retomar as caminhadas matinais, marcar o médico... dar início - e finalizar! - tudo aquilo que não consegui (ou procrastinei!) nos últimos 11 meses.

Invariavelmente, fica muito por fazer. O que sempre acontece - e é um destes mistérios que não se explica - sempre sobra um tempo pra uma boa reflexão sobre a vida. Pode ser efeito das mensagens que pipocam na tv e congestionam a internet, dos filmes e músicas com temas natalinos, dos encontros com os amigos e com a família, dos abraços trocados... Não sei exatamente, mas dezembro propicia o encontro com o essencial. E é como uma espécie de "reconhecimento". Um chek up do que foi e do que pode vir. 

É clichê, eu sei (e atire a primeira pedra quem não é), mas não resisto: isso de virar a folhinha do calendário, rasgar o velho e começar do zero revira minhas ideias. Faz pensar no que quero pra mim, verdadeiramente. Dinheiro, saúde, felicidade e amor, são ótimos e bem vindos. Mas há mais...

E hoje, o que eu quero é mudar. Mudar de vida. De atitude. De latitude. Ou os dois. Ter essa coragem. Permitir-me. Admitir o que vai mal (e tem conserto) e o que não vale mais um centésimo de meu esforço. Que o caminho reto é o mais curto e também muito chatinho. Que, apesar disso, a razão pode não estar ao meu lado [MEDO!]. Que a vida não é mesmo cor de rosa - então, porque a insistência em desperdiçá-la? Que idealizo um bocado. Que existem muitos "ses" na minha boca. E que são muitos mais em meu pensamento, a minar meus dias e minhas decisões.

Que é isso: só preciso de uma única coisa - que todo o resto já me foi dado - agarrar a vida com os dentes! Tal como ela é: comezinha, sim, tantas vezes; mas também fértil de oportunidades.

Mudança, aguarde-me! Que te quero de frente, com maturidade e honestidade. É esta agora minha premissa. O meu compromisso. Comigo, com minha vida e para com os outros. Especialmente, com os que me amam.



...





*





* precisando de coragem pra mudar? eu também! pena que isso não vem com receita... mas posso indicar meu caminho até esta tomada de consciência: o clima pra escrever o textinho acima veio com a nova dos Goldfrapp (super recomendo!). já a inspiração pra mudar veio de mil conversas com a melhor amiga de todos os tempos (amigos têm esse poder, não é? sabem ler nossas entrelinhas mais e melhor que ninguém). ** se este é também seu momento, vai ficando por aqui: tem um tanto de coisas que quero trocar. vai ser bom ter sua companhia!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

sem forma, vaga e incerta...


Às vezes julgo ver nos meus olhos
A promessa de outros seres
Que eu podia ter sido,
Se a vida tivesse sido outra.
Mas dessa fabulosa descoberta
Só me vem o terror e a mágoa
De me sentir sem forma, vaga e incerta
Como a água.




Sophia de Mello Breyner Andresen



*






* às vezes, não. corrijo: com muitíssima frequência...