quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Foi um fevereiro plus + 1



  • mas agora chegou a hora da nossa gente bronzeada mostrar o seu valor!



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* desculpa, mas eu não podia deixar de aproveitar a oportunidade de postar em um dia que só vai se repetir daqui a quatro anos. no mínimo, uma homenagem aos fevereiros brasileiros.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Da série Verdades Indissolúveis: o amor acaba



Ei, moça, repare que assombro:

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois de uma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; no álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.



Paulo Mendes Campos, in Boa Companhia




*





* "O amor é um beijo, dois beijos, três beijos, quatro beijos, cinco beijos; quatro beijos, três beijos, dois beijos, um beijo… e fim". (Pitigrilli) ** quem fez a delicadeza de apresentar-me este texto e a citação anterior, foi o Xico Sá, lá no blog da Folha.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Namora uma mulher que lê


"Namora uma mulher que lê. Namora uma mulher que gaste o dinheiro dela mais em livros do que em roupas. Ok, ela se perde um pouco na arrumação da casa, mas é porque tem livros demais. Namora uma moça que tenha uma lista de livros pra ler, que tenha uma carteirinha da biblioteca desde a primeira infância.

Encontra uma mulher que lê. Vais saber que é ela, porque anda sempre com um livro dentro da bolsa. É aquela que percorre amorosamente as estantes da livraria, aquela que dá um gritinho surdo ao encontrar o livro procurado. Vês aquela moça com ar estranho, cheirando as páginas de um livro velho, numa loja de livros de segunda mão? É a leitora. Para ela, o cheiro das páginas, sobretudo quando ficam amarelas, é perfume!

Ela é a garota que lê enquanto espera no café ao fundo da rua. Se espreitares a xícara, percebes que o calor já se foi, perdidos, os dois, ela e o café, em um mundo feito pelo autor. Senta. Admira-a de relance, porque a maior parte das mulheres que lêem não gostam de ser interrompidas. Oferece-lhe outra xícara de café.

Diz-lhe o que realmente pensas do Murakami. Descobre se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Pergunta-lhe se gosta de Clarice. Ou se gostaria de ser Alice.

É fácil namorar uma moça que lê. No seu aniversário, no Natal e em datas especiais, dê-lhe livros. Ofereça-lhe palavras como presente, em poemas, em canções. Ofereça-lhe Neruda, Pound, Sexton, cummings. Deixa-a saber que tu percebes que as palavras são amor. Que sabes a diferença entre os livros e a realidade.

Minta. Uma vez, duas, deslavadamente. Se ela compreender a sintaxe, vai perceber a tua necessidade de mentir. Atrás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. Nunca será o fim do mundo.

Trate de desiludi-la. Porque uma mulher que lê compreende que o fracasso conduz sempre ao clímax. E que todas as coisas chegam ao fim. Que sempre há a possibilidade de se escrever uma sequência. Que pode-se começar outra vez e outra vez e continuar a ser o herói. Que na vida é suposto existir um vilão ou dois.

Temes que ela descubra tudo o que não és? As mulheres que lêem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem [exceto na saga Crepúsculo]. E quando a vires acordada às duas da manhã, chorando, com um livro contra o peito, envolva-a com um abraço. Prepara-lhe um chá. Podes perdê-la por uma ou duas horas, mas ela volta para ti.

Quando menos perceberes, já está: alugas um balão de ar quente e te declaras. Ou durante um concerto de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente, pelo skype. Vais sorrir tanto que te perguntarás por que é que o teu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Juntos, vão escrever a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos ainda mais estranhos. Ela vai apresentar aos seus filhos o Gato de Botas e Aslam - talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos da velhice e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto tu sacodes a neve das botas.

Namora uma mulher que lê, porque tu mereces. Mereces uma mulher que te pode dar a vida mais colorida que consegues imaginar. A não ser que prefiras a monotonia, horas requentadas, propostas meia-boca... Mas se queres o mundo e os mundos que estão para além do mundo, então, namora uma mulher que lê.

Ou, melhor ainda, namora uma mulher que escreve."



*






* do original Date a girl who reads, de Rosemary Urquico [adaptado da versão portuguesa "Namora uma Rapariga que Lê"]. ** e gata, não seja assim tão literal: se seus olhos conduzem-na biblicamente para meninos, ótimo! não se reprima! namora um homem que lê. ou, melhor ainda, um que escreva.

Clássica


Muitas mulheres têm beleza,
nenhuma a tua magia;
e a tua voz tal riqueza,
que nem a da melodia
por sobre as águas do mar:
quando, num encantamento,
sonhando adormece o vento
e a onda pára um momento
e desfalece, a brilhar...

E a lua no céu fiando
a sua teia, a sorrir;
e o mar brandamente arfando
qual criancinha a dormir:
assim, dentro da minha alma,
eu me inclino, ao encontrar-te,
me suspendo, a escutar-te,
me curvo, para adorar-te:
com funda emoção, mas calma.



Lord Byron





*








*a princesa e o lorde. o poema e a mulher. o amor e o mar. beauty standarts. clássicos...

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sabedoria de rua


"o tempo é uma invenção dos incapazes de amar"

"você não precisa pedir permissão pra construir castelos no ar".

"nada de nosso temos senão o tempo, de que gozam justamente aqueles que não têm paradeiro"

"o agora é tudo o que temos"

"por um minuto, por favor, permaneça em silêncio e olhe para o céu.
e contemple quão extraordinária a vida é"  

"o medo é uma prisão"


"não importa quão linda ela pareça: alguém, em algum lugar, está cansado das merdas dela"






*



Born to be Wilde!



  • se tem alguma coisa que me trinca é a habilidade de cunhar frases
  • não as do tipo comum, mas aquelas perfeitinhas
  • que sintetizam um mundo de idéias em poucas palavras.
  • Do seleto grupo de bons frasistas
  • Oscar Wilde é um dos meus preferidos
  • ainda que não fosse suficiente a obra literária deixada
  • [poesias, contos, histórias infantis, o romance O Retrato de Dorian Gray ]
  • e a vida pessoal, repleta de reviravoltas hollydianas,
  • Wilde parece ter tido duas vidas:
  • uma para viver
  • outra para frasear.

...


"A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre."

"A melhor maneira de começar uma amizade é com uma boa gargalhada. De terminar com ela, também."

"Ah! Não me diga que concorda comigo! Quando as pessoas concordam comigo, tenho sempre a impressão de que estou errado."

Oscar Wilde



*





* o único porém vejo nas citações é o uso e a interpretação que se faz delas... só que Wilde, genial, antecipou-se a mim e me consola: "Se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio neste mundo."

Oração do avião


Abençoadas sejam as surpresas risonhas do caminho.
As belezas que se mostram sem fazer suspense.
As afeições compartilhadas sem esforço.
As vezes em que a vida nos tira pra dançar sem nos dar tempo de recusar o convite.
As maravilhas todas da natureza, sempre surpreendentes, à espera da nossa entrega apreciativa.
A compreensão que floresce, clara e mansa, quando os olhos que vêem são da bondade.

Abençoados sejam os presentes fáceis de serem abertos. Os encantos que desnudam o erotismo da alma.
Os momentos felizes que passam longe das catracas da expectativa.
Os improvisos bons que desmancham o penteado arrumadinho dos roteiros da gente.
Os diálogos que acontecem no idioma pátrio do coração.


Abençoada seja a leveza, meu Deus.



Ana Jácomo




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* e que uma brisa fresca nos acompanhe até o chegar... ** para a amiga que pediu uma oração pra não ter medo de voar de avião.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Feeling this way today




  • porque é carnaval
  • [e minha fantasia de mulher invisível não me cabe mais]
  • lembrei-me de Samuel Beckett:
  • "dance primeiro, pense depois. esta é a ordem natural das coisas."

  • e não é uma dádiva ter nascido neste país
  • e ser brindado com um 'reínicio' em março?
  • pois que no Brasil o novo ano se anuncia em primeiro de janeiro
  • mas só vai acontecer mesmo depois do carnaval.
  • então cola a chamada de capa da Dazed de março na retina:
  • "2012: se não for excitante, você não está fazendo certo"


*






*no set de gifs: Anna May Wong, em cena de Piccadilly, 1929.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A essência de um homem é seu espírito


Maio, 1948


Prezada Sra. Rondeau:


Você me pediu para explicar o sentido da frase de minha autoria: "Para dizer eu te amo é preciso primeiro aprender a dizer eu".

O significado da frase está contido no conjunto de A Nascente [o livro The Fountainhead, publicado nos EUA, em 1943]. E afirma-se, no decurso das 400 páginas a partir do qual você tirou a frase.

O "eu" é uma entidade independente e autosuficiente que não existe por causa de qualquer outro ser. Uma pessoa que só existe por seus entes queridos não é uma entidade independente, mas um parasita espiritual. E o amor de um parasita não vale nada.

No absurdo (e muito cruel) mundo em que vivemos, sempre se apregoou que o amor é autosacrifício. A essência de um homem é o seu espírito. Se sacrificamos nosso espírito, quem ou o que resta para sentir o amor? É o não-sacrifício de sua essência que devemos respeitar, sobre todas as coisas. O verdadeiro amor é profundamente egoísta, no mais nobre sentido da palavra - é uma expressão dos valores mais altos de uma pessoa. Quando uma pessoa está apaixonada, ele busca sua própria felicidade - e não o seu sacrifício - junto da pessoa amada. E o amado seria nada mais que um monstro se pretende ou espera um sacríficio do outro.

Toda pessoa que pretende viver somente para os outros - para um companheiro, amante, filhos ou para toda a humanidade - é uma nulidade altruísta. Um "eu" independente é aquele que existe para seu próprio bem. Tal pessoa não incorre na doença viciante do autosacrifício e não o exige da pessoa que ama. E esta, guarde bem, é a única forma de amor que vale a pena. É a única maneira de uma relação verdadeira e respeitosa existir entre duas pessoas.


Sinceramente;

Ayn Rand



*






*Ayn Rand recebeu uma carta de uma fã, pedindo que ela explicasse o que quis dizer com a frase "to say I love you one must first know how to say I", que está em seu livro, A Nascente. A obra, escrita em 1935, levou sete anos para ser concluída. Foi rejeitada por 12 editoras e inicialmente publicada em 1943. Após, A Nascente foi considerada uma das mais influentes referências da cultura americana, atrás somente da Bíblia. Nele, Rand difunde a idéia de que o homem não é uma vítima - impotente e insignificante. Que deve respeitar-se e valorizar-se. Que tem o direito e o dever de comprometer-se com seus ideais e explorar seu potencial único. Que sua missão é realizar-se... Há quem afirme que suas idéias ampliaram o espírito empreendedor e inovador dos americanos o que também contribuíu para a atual crise financeira no mundo. ** o filme Vontade Indômita, de 1949, foi baseado na história de A Nascente *** retirado do Letters of Note, um site que mostra cartas, postais, telegramas e fragmentos de memória de gente famosa e nem tão famosa trocando correspondências muito bonitas e sensíveis.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A última estação


"O grande Leon Tolstoi, mundialmente conhecido por ter escrito Guerra e Paz (1869), a colossal epopéia que envolve toda uma nação e que encerra nela não só uma parábola da sociedade aristocrática russa nos tempos das campanhas napoleônicas, como também a intrincada, desmesurada, misteriosa, única e algo louca alma russa.

O grande Leon Tosltoi, que escreveu antes de todos que 'as famílias normais não tem nada de especial' e desvendou outra alma desmesurada, misteriosa e definitivamente louca: a da mulher adúltera apaixonada, em Anna Karenina (1878).

O grande Leon Tosltoi, também conhecido por suas afrontas ao regime czarista (foi contra o czar por uma questão de princípio), por ter renunciado ao título de conde, por ter sido excomungado pela igreja ortodoxa, por proferir sentenças altamente audazes e provocadoras para a época e para o império russo ('Os ricos farão de tudo pelos pobres, menos descer de suas costas').

Igualmente poderoso - reconhecido e idolatrado como um gênio em vida - e intocável, ninguém se atrevia a desafiá-lo. Multidões emocionadas desfilaram no seu cortejo fúnebre a entoar o etern memóri, no primeiro enterro civil celebrado na Rússia. Mas era antipático como a foice! Ele próprio se definia: 'Sou feio, desajeitado, pouco asseado e sem verniz mundano. Sou irritadiço, desagradável para os outros, pretensioso...'. Mesmo na sua escrita, de frases densas, sem efeitos de estilo nem qualquer tipo de submissão aos sinônimos, não demonstrava um humor particular.

Parecia o gênero de pessoa que amava tanto, mas tanto a humanidade que quase se esquecia de amar o próximo - ou a família - que estava bem ali ao lado. Preferia mudar o mundo do que mudar-se a si próprio. Queria doar em testamento os direitos da sua obra ao povo russo, desfazer-se das suas propriedades, o que enlouqueceu a condessa Sophia, aquela que foi sua musa, mãe dos seus 13 filhos, que lhe decifrou e copiou 6 vezes as suas garatujas da Guerra e Paz e lhe dava conselhos do enredo: 'A Natacha nunca diria tal coisa ao príncipe Andrei'.

Não era a forma que lhe interessava ('Se a vida falasse, falaria como Tosltoi escreve'). E no entanto, este homem que passou metade da vida a vergastar colericamente e a outra metade a lamber as próprias feridas, arrastou, já velho, rabugento e hesitante, quase como um profeta, um séquito de discípulos fanáticos que se converteram ao tolstismo, uma espécie de teologia algo débil e confusa, que ora se aproximava dos primitivos cristãos, ora do anarquismo místico, ora da resistência passiva que inspirou Ghandi - aliás, ambos trocaram correspondência. Uma série de apóstolos (entre os quais uma filha voluntariosa) acreditavam cegamente que 'Deus falava de uma forma particularmente clara através de Leon Tosltoi'.

Já não era o jovem nobre que participou na Guerra da Criméia e que cometia excessos, alvoroços e 'ex-sexos' com prostitutas, orgias, jogo e muito vodka. Já não era também o pai de família, sublime escritor de alguns dos clássicos mais definitivos da literatura mundial. Próximo da última estação da sua vida é um velho idealista, cioso pela pureza, intolerante com os vícios depois de os ter cometido a todos. E nisto consiste a sua maior tragédia. Renegar a violência depois de a ter praticado na guerra e sobre os subalternos. Repugnar-lhe a carne, depois de passar por faustosos banquetes. Pregar a abstinência sexual, depois de ter tido 13 filhos (mais um, que se saiba, fora do casamento) e todo um histórico de turbulências amorosas. Abdicar da riqueza depois de a ter usufruído durante a vida toda - e atenção que os padrões da nobreza russa não têm qualquer paralelo, em opulência e autoridade, com os da aristocracia ocidental. Este é outro Tolstoi. O Tolstoi que já não se interessa por romances, mas tão idealista quanto incoerente, tão sentimentalista quanto naif, tão velho quanto confuso, cheio de conflitos existenciais, numa guerra (sem paz) interior."






*       






* Ana Margarida de Carvalho, é jornalista e escreveu este texto em 2009, quando do lançamento do filme "A última estação", do diretor Michael Hoffmamn, com os soberbos atores Christopher Plummer e Helen Mirren, além de James McAvoy e Paul Giamatti. Não vi o filme, mas o texto fez-me lembrar de outro senhor. Também escritor, também genial, também "cantor de sua terra", também reconhecido em vida por seu imenso talento, também generoso, também excêntrico, mas muitíssimo simpático: Mário Quintana. E é de Mário esse poeminha lindo que trouxe pra cá, uma visão ingênua, praticamente infantil da morte de Leon Tolstoi:

Poema da Gare de Astapovo

O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!

E então a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...

Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!

...

** continuo pensando nestes dois - TolstoiQuintana. Em suas diferenças. E nas razões para tais... Quem vai saber? Só posso imaginar que existam mesmo motivos que desconheço para que uma pessoa nasça em tal latitude geográfica. Ou seja, não é de graça que um indivíduo calhe de 'estrear' em terras tão duras e frias como a Rússia. Como também não é fortuito que se nasça no Brasil... alguma leveza deve se ter, não? Mas temo que a maior diferença entre os dois tenha sido mesmo o casamento e os filhos. Quintana morreu solteirão e sem herdeiros. E isto cria uma dimensão redbulliana à vida - te dá asas!

Porque viver todos os dias cansa...


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa, variada em cópias iguais.

Não. Cansaço, por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...

Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)
Porque ouço, vejo.
Confesso: é cansaço!...


Alvaro de Campos (Fernando Pessoa), in.: Poemas



*







* porque me ocorreu ouvir Lana Del Rey no repeat. a voz metálica, a melancolia da canção fizeram hipérbole na nostalgia que ando sentindo. saudades do não vivido. do que ficou para trás sem ser sentido e que hoje faz tanto sentido... "na verdade, amiga, o que me mata é o cotidiano. Eu queria viver só de exceções" (Clarice Lispector). ** frase no título: Pedro Mexia.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Da série Verdades Indissolúveis: autoilusão


Há pouco tempo saiu um livro que defende que somos mentirosos natos. Que o ato de mentir é uma ferramenta diária, nem que seja para não ofender os outros ou suavizar certos pensamentos. O autor, Ian Leslie, afirma que sem isso nunca teríamos conseguido evoluir e criar relações humanas ainda nos tempos da pré-história.

Em entrevista, perguntaram ao escritor quem é o maior mentiroso da história. Respondeu, na tampa: Deus (!) - por ter dito a Adão e Eva que morreriam se comessem o fruto proibido.

Mas o coup de foudre da entrevista, o que realmente me fisgou, foi a resposta à pergunta sobre a quem mentimos mais. "Ora", Leslie disse simplesmente,"a nós próprios, sem dúvida. Precisamos de uma margem de ilusão para seguirmos com as nossas vidas." 



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* ok. não vou negar: minto, confesso. não muito. nem pouco. todos os dias, um tanto. só quero da mentira a verdade. de mim. de ti.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Deus e o demônio

"Fernando Sabino, o Demônio é uma árvore frondosa cheia de frutos maduros e doces. O Demônio dá sombra aos caminhantes fatigados, o Demônio, Fernando Sabino, dessedenta os que têm sede e dá de comer a quem tem fome. O Demônio é uma romã fresca e saborosa depois do sol e do cansaço.

Deus, Fernando Sabino, é uma galhada seca e magra, onde os homens sangram as mãos para nada. Uma caveira no meio do pé da estrada é Deus, Fernando Sabino. Deus é um osso duro de roer. Deus, Fernando Sabino, é uma fieira de dentes amarelos enfiados como em colar e passado no colo de um esqueleto esquecido de si mesmo.

Fernando Sabino, o Demônio é uma macieira, o Demônio é alto, louro, simpático, tem olhos azuis e fuma cigarros americanos. Fernando Sabino, o Demônio tem poltronas, Fernando Sabino. O Demônio toma chá com torradas e tem varandas no flanco esquerdo e no flanco direito. Deus é cáustico e sem alpendre. Deus é uma caveira: perigo!"

 

Otto Lara Resende,  Rio, 24 de outubro de 1954, Noite [in, O Rio é tão longe, Cartas a Fernando Sabino]



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* pousou em minhas mãos o livro O rio é tão longe, feito somente da correspondência de Otto Lara Resende para o amigo Fernando Sabino. as respostas às cartas, as escritas por Sabino, não estão na edição. é mesmo como escrevi - somente a correspondência de Otto para Fernando - compulsivas, quase diárias; mas enxutas e cheias de estilo e lirismo. como este trecho acima, tão bom que foi parar na capa. estranhamente, hesito em lê-lo de um golpe. uma voyeur, é como me sinto. como se descobrisse o amante de meu marido, anos após sua morte. loucura, sei. nem tem explicação. mas vou tentar: alimentei uma admiração por Fernando Sabino tão intensa na adolescência e juventude que meu primeiro grande namorado mordia-se de ciúmes. absurdo? eu também achava. até me deparar com este volume... não é que sinto ciúmes deles dois? desta amizade que atravessou o tempo e venceu a morte...? Deus mora na amizade. O demônio, em todos os lugares.
** há quem acredite que Deus mora nos detalhes. o criador da fonte [para o poster de Swing City que ilustra o post] é um deles. o demônio, que mora em tudo e a todos domina, ferve de inveja - feito fungo, entumescendo e espalhando-se por todos os recônditos do planeta...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Dos amores maiores que tenho nesta vida [2]


  • Inspirado, em igual medida, pelo furacão Katrina, Buster Keaton, O Mágico de Oz e no amor pelos livros,
  • Morris Lessmore é uma história sobre pessoas que dedicam suas vidas aos livros
  • e sobre livros que retribuem esta dedicação
  • uma alegoria pungente sobre os poderes curativos da história
  • do premiado William Joyce (ilustrador da New Yorker e ex-Pixar)
  • e dirigido por Brandon Oldenburg,
  • esta fábula moderna, temperada com toques "vintage",
  • remonta aos filmes mudos
  • e aos consagrados musicais da MGM.
  • Os Fantásticos Livros Voadores de Mr. Morris Lessmore está,
  • merecidamente,
  • entre os cinco curtas metragens animados indicados ao Oscar deste ano
  • [e quer saber? nem importa se ganhe ou não,
  • apesar da minha imensa torcida, desde já
  • é uma história tão linda e bem contada
  • que vale, vale, vale
  • por si só!]




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* emocionada, com os olhos estalados e de boca aberta... sumiram-me as palavras e nem serviriam, aliás. traduzi quase tudo aí em cima do release da produtora. porque só me vai esta única frase: this is my life! ** [acima, algumas fotos da produção, que fez uso de miniaturas, animação 2D e 3D. que trabalhão! cada dia mais apaixonada por animações...]

Quando se volta para dentro...


"É incrível o que uma pessoa tem guardado dentro de si. O escritor tem a chance de conhecer esse mundo secreto e silencioso que poucos visitam. Ele é formado por tudo aquilo que somos: tudo que vimos, ouvimos, tocamos, saboreamos, cheiramos, pensamos, sentimos; o que recebemos de fora e o que fazemos com isso do lado de dentro. A grande maioria de nós só recorre a uma parte pequena desse banco de dados, porque só precisa disso para sua vida cotidiana.

O escritor, quando se volta para dentro em busca de algo para contar, começa a conversar com seu eu interior, que com frequência é radicalmente diferente dele. Essa experiência é reveladora, é maravilhosa e é assustadora.

O policial que senta para escrever um romance pode encontrar lá dentro um assassino que sente prazer em mutilar; o policial pode se recriminar e se envergonhar por ter deparado com esse reflexo distorcido de si mesmo. A dona de casa pode descartar a esposa fiel e a mãe exemplar que é e substituí-la na página em branco por uma devassa que vai para a cama com todos os homens e aborta os filhos que seriam um incômodo. Por outro lado, o professor idoso que prepara seu romance nas horas vagas ressuscita o pai querido e traz de volta a noiva que o dispensou, e a secretária entediada que mantém um diário imagina um passeio em Veneza que não fez e a amiga compreensiva que nunca teve.

Alguém pode acusar o escritor de ser um alienado. Por que se isola das pessoas reais para congregar com criaturas imaginárias? Por que imagina a vida de outros ao invés de viver a sua? Em resumo, por que não lê menos e vive mais? É lá fora que está a vida.

O escritor sorri, sacode a cabeça, junta as pontas dos dedos e responde com calma e sem vergonha: não, a vida está aqui dentro".



Paul Marcel, in Epifania
 
 
 
 
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*porque um dia, uma amiga que me chama carinhosamente de "escritora", pediu-me pra contar-lhe sobre meus medos. 'meus medos? a miséria', disse. 'e a Terra sem água potável. são esses. acho que só esses.' mas diante de amizade tão íntima, desisti de exibicionismo: 'ah, tem mais uma coisa que temo [e só de pensar tremo]: tenho horror do que vai dentro de mim...' 
 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Poema Zen



  • parece ser somente mais um vídeo de receitas
  • a clássica mistura de pinolis, mangericão, azeite, parmesão e alho
  • que resultam em uma das invenções mais expressivas da culinária italiana:
  • o pesto genovês!
  • mas não se engane,
  • é na verdade uma lição de paciência e delicadeza
  • uma ode ao tempo
  • um poema culinário
  • escrito com estilo, elegância e muita suavidade.

  • mais uma criação dos artistas do Tiger in a Jar
  • autores dos vídeos de comida mais lindos dos últimos tempos!



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* e a punk aqui que até hoje preparava feliz e contente esta mesma receita com o... liquidificador!