terça-feira, 6 de novembro de 2012

O mar dos meus olhos



Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes...
e calma




Sophia de Mello Breyner Andresen, in Obra Poética




*







* nasci debruçada sobre o oceano. neste litoral que é meu lar e origem, para todos os lados que  se lance o olhar, a paisagem é sinuosa, orgânica e feminina. tão poderosamente feminina que aceita e acolhe os filhos que não são seus: a agressividade concreta das torres de edifícios; a devastação da mata, fauna e montanhas; a invasão da urbe e do turismo predatório. ainda assim, a natureza feminina e voluptuosa da cidade se impõe - basta perder o olhar por alguns minutos mar adentro e abrir-se para seus sons mais íntimos. Balneário Camboriú é uma mulher à toa. uma dama sem berço, sem educação e cultura. safada, libidinosa, despudorada... exibe, orgulhosa, seus excessos, celulites, estrias - e já entrada na maturidade - suas primeiras rugas e fios de cabelo branco. vende-se conforme a fome. de uns tempos pra cá, anda abusada: caaaara que só! tem exata noção de sua gostosura e do quanto ainda pode oferecer. e acolhe.

** o blogger tem sabotado o ou isto ou aquilo por estes dias. mais de uma vez tentei postar e fui sumariamente engolida pelo buraco negro onde choram amargamente  - e em vão! - as boas ideias primordiais. este poema, por exemplo, deveria vir após uma série com o tema identidade. o que somos? o quanto de nós é pensamento, sentimento, formação e ambiente - uma questão que me persegue e me consome. sem respostas e vencida pela frustração de reescrever o que foi perdido, decidi por atropelar a linha de raciocínio e postar o carro à frente dos bois. o restante, com sorte, virá depois.



***  imagens de Balneário Camboriú. acima, vista da Praia dos Amores, sobre o Morro do Careca. no topo da página, Praia Brava. Fotos: Raimundo Arrosi.

6 comentários:

  1. Adorei! E concordo que a sensualidade de BC está por toda parte: nas curvas da Estrada da Rainha, na orla que mais parece um abraço, no morro arredondado das Laranjeiras, na brisa inquietante que sopra no final de tarde. BC é pura volúpia! ( E esconde muito bem a idade: está sempre enfeitada, perfumada com o cheiro de zimbro e fazendo plástica).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bôua! Isso é o que eu chamo de comentário luxuoso! Perfeita a lembrança do cheiro de zimbro - que cresce naturalmente pelas orlas da região. É bem o perfume dessa madame siliconada que se tornou Balneário Camboriú - agreste e ardido (um outro sinônimo para selvagem e empolgado?)

      Excluir
  2. Feliz de quem carrega este mar nos olhos....!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. já viu o mar de ressaca? uma tempestade de inverno? não é bem felicidade a sensação... é a lembrança de dias de praia e sol que não nos deixa afogar.

      Excluir
  3. Que texto lindo após a poesia (linda também)...um olhar feminino sobre esta impetuosa feminilidade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. obrigada. fico feliz que aprecies, pois este "olhar" é o único que tenho. "o que fiz, foi tão somente comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. acho que eu consegui; vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade" (Simone de Beauvoir).

      Excluir