quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Take this waltz



"E o que é a vida senão uma dança à volta das relações amorosas? 

Preenchida, rotineiramente, entre o ponto de partida e o de chegada. 
Aquele meio entre os dois grandes momentos: nascimento e morte, paixão e fim. 

É neste entretanto, é nessa terra de ninguém suspensa, que as decisões se tomam. É aí que o medo ou o impulso de avançar são pesados e ponderados, vezes sem conta. É neste espaço de tempo que o circo se instala - feito malabaristas, tentamos manter as possibilidades no ar.

O estar entre coisas é uma consequência de estar vivo, mas ninguém fica aí muito tempo. A lembrança, nostálgica, do vento nos cabelos, da adrenalina que nos impulsionava à vida enquanto estávamos girando a uma velocidade alucinante, com a música muito alto e cores rápidas a deslizar por todo o lado, os corpos a serem lançados um contra o outro, sempre mais depressa, sempre mais alto, video killed the radio star, in my mind and in my car, we can't rewind we've gone to far, mais depressa, mais à roda, estonteante. Soltam-se os braços ao alto, a música sobe de tom e, subitamente, para, esgotou-se o tempo, parou a música, cessou o rodopiar, acenderam-se as luzes. 

Instala-se o medo e resta-nos encaracolar para dentro da nossa toca confortável. Até a dormência nos incomodar e ser preciso correr, mergulhar, decidir, para lá do medo, para lá da pena, para lá de tudo, porque é preciso, porque estar vivo é preciso. Mesmo que o outro nem tenha se dado conta que o chão estava a quebrar debaixo dos pés, porque é sempre assim: há quem prefira não enxergar o tsunami que se prepara a olhos nus. 

E então abraça-se a vertigem... é-se feliz na vertigem: take this waltz, take this waltz, take this waltz it's been dying for years e dança-se, roda-se, num espaço aberto e vazio, expectante de possibilidades, onde a cama é o centro de tudo e é usada, é mesmo muito usada, e à volta dela vai nascendo uma casa, uma cozinha, um abajur, uns cortinados, todos os adereços que tornam um espaço nosso e a cama lá no centro daquele open space, e a vida a girar à volta dela, a rodopiar à volta dela, depressa, take this waltz, take this waltz, até que a rotina toma conta de tudo - toma sempre conta de tudo porque não fomos desenhados para viver a rodopiar e a certa altura temos de parar. 

A rotina invade a casa, remete a cama para o canto e no centro instala-se um sofá e um televisor, um lugar de aconchego, com mantas e almofadas e é tempo de se segredarem coisas do coração ao ouvido, num conforto estagnado que é bom. 

E a vida avança (não rodopia) até ao dia em que o passado bate à porta e somos confrontados com aquilo que largamos lá para trás, os estragos que fizemos, o que de bom que lá ficou. 

É quando percebemos que a única solução é seguir em frente e que o carrossel somos nós que o giramos, somos nós que o procuramos, ele está lá, sempre à nossa espera, dentro de nós, take this waltz."




*







* é muito provável que a luta para garantir a sobrevivência do amor encontre suas mais duras batalhas entre os pequenos resmungos da troca de fraldas ou do ato de dar de mamar às três e quarenta e sete da manhã ou do bom e velho tédio; é mais provável que se encontre em pequenas traições ou deslizes ferinos da língua, que apresente o heroísmo cotidiano de fingir não ver mil pequenos hábitos irritantes. em suma, o amor é trabalho duro. e o final feliz não é o fim, mas o recomeço, ainda mais uma vez, o re-recomeço da insana função de manter vivo o amor. insana, sim... entretanto, quem é dono de loucura tão grande capaz de prescindir de uma boa história de amor? ** [Entre o Amor e a Paixão - "Take this Waltz", é um filme dirigido por Sarah Polley e estrelado por Michelle Williams e Seth Roger]

2 comentários:

  1. Que interessante sua visão sobre este belo filme, Luciene... achei lindo seu texto sobre ele. Amei o filme também, mas (que bom que existem os diferentes pontos de vista!) para mim bateu como um grande espelho dos vazios que nós temos, e sobre como utilizamos do amor e do sexo para tentar preenchê-los... será que resolve? Beijos, adorei o blog.

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    1. se há amor e sexo há vida. se há vida, há morte... se não há amor nem sexo, a morte se instala antes da vida. o que resolve? o que não nos dissolve.

      obrigada, Glória, pela visita e pela generosidade do comentário. adorei!

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