e já que o vento morno do velho oeste resolveu bafejar por estas plagas
tem essa banda portuguesa que descobri há uns meses e fissurei:
[Dead Combo is a Lisbon based duo, Tó Trips and Pedro Gonçalves, whose music mixes fado with spaghetti western inspired music, jazz, alternative and world music]
enjoy!
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* e quando ouço esta outra aqui, especialmente, encho-me de vontade de, na próxima vez que cruzar com o Quentin no mercado, na praia, ou na saída da escola das crianças, sugerir o nome destes gajos tão talentosos para uma trilha especial. ora, se Angie pôde com Almodóvar, porque não eu?
apresentado como trabalho final (!) de quatro alunos da ESMA - Ecole Supérieure des Métiers Artistiques
o filme impressiona pela riqueza e cuidado com os detalhes
mas não só:
roteiro, animação, direção de arte e trilha -
tudo nele faz da experiência de assisti-lo
uma fruição só!
os rapazes beberam da melhor fonte e não escondem
são visíveis as referências do western spaghetti,
do filme The Bad, The Good and The Ugly,
a inspiração na figura do ator Clint Eastwood
e a homenagem ao diretor Sergio Leone.
[dos mais caprichados que já postei, confere...]
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* desenvolvi uma fixação pelo faroeste e seus personagens, desde que escrevi este outro post aqui. o faroeste é o nosso sertão. e também a urbe, as rodovias e aeroportos, as corporações, os relacionamentos contemporâneos, as redes sociais... uma metáfora hipertrofiada destes ambientes e espaços tecnólogicos onde hoje vivemos. pensa: não é tudo senão um faroeste, honey? e que atire primeiro quem nunca...
"Fermín, o cozinheiro do livro Los Insaciables, não apenas absorvia os amores e o mundo por seu aguçado paladar. Tinha também o dom de identificar os ingredientes que davam a eles, aos amores e às coisas do mundo, seu gosto particular e único.
Parece que tudo começou quando deu o primeiro beijo de verdade de sua vida. A boca de Clarita tinha sabor de "tostada con jamón y miel". No mesmo dia, Fermín chegou em casa determinado a recriar o gosto de Clarita. Deu-se por satisfeito às três da manhã, quando à torrada com presunto cru e mel juntou uns grãos de pimenta, uma pitada de noz moscada, um pouco de pimenta vermelha esmagada, meia cebola caramelizada com vinho do porto e queijo fresco.
Ali mesmo, na página 16, uma pergunta cisma e volta a me importunar. Seria o primeiro beijo um caminho sem volta? Refiro-me a todos os possíveis primeiros beijos que se possa experimentar: o primeiro-primeiríssimo, obviamente, e também o primeiro de cada nova paixão, novo amor, atração antiga, namorico de verão, casinho despretensioso, amigo-com-quem-se-dorme etc. etc. etc.
Seriam eles transformadores do curso de uma vida, já que por coisa de segundos a criatura não passou debaixo daquele prédio, naquela rua, naquele instante em que cairia uma gigantesca bigorna A.C.M.E. em sua cabeça? Teriam os primeiros beijos um caráter irreproduzível, dado o conjunto de sentimentos e sensações provocadas, entre arrepios, derretimentos, toques, não-toques, contexto, temperatura, umidade, pressão e, sim, o gosto do outro? É possível rebeijar pela primeira vez a mesma pessoa e derreter-se igual?
Já achei que sim, já achei que não, decidi que não sei. O que sei é que Fermín continuou a beijar Clarita e a voltar pra casa para aprimorar a receita. Descobriu que para ralar a noz moscada devia usar uma faca de serrinha, melhorava o resultado. Juntou também um pouco de sálvia. E sei que Fermín preferia o sabor às palavras: "El sabor no engaña, te llega directo. No te deja un recado en el contestador ni te manda un mensaje en una botella, te toca el paladar y comprendes enseguida." Saber-se pelo gosto, isso também sei, vale mais do que saber-se pelo que é dito…
Compreender o sabor, saber o gosto do outro é gostar na profundeza. É conseguir entender, num beijo no cangote ou lambida em qualquer parte, do que o outro é feito: fel, coragem, culpa, preguiça, virtude, noites em claro, filmes trash, humor ácido, baunilha, a cozinha (sempre ela), mel, chocolate, lichia… Está tudo ali, disponível pra quem quiser desvendar com o paladar os recônditos, saliências e reentrâncias da companhia da vez, tanto as do tipo imortal-posto-que-é-chama, quanto as do infinito-enquanto-dure.
...
*Los Insaciables é o primeiro romance de Jakob Gramss. Comprei em Madri, em meio a tantos outros que me fizeram ter de comprar uma mala extra. Estou lendo muito aos poucos, pois não quero que acabe. Mais ou menos aquele 'não querer que acabe' do primeiro beijo, ou de um abraço de despedida."
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* este texto delicioso sabe à outra: Ana, a Dadivosa (essa moça bonita aqui embaixo, que cozinha tão bem quanto escreve - tudo comprovado por fotos lindas, feitas por ela, claro - que é pra nos matar de súbito e inteiros e depois espicaçar! sua "cozinha" sempre me põe água na boca e enche-me de desejos irrealizáveis, especialmente quando escreve sobre livros que NÃO se encontram para vender no Brasil...).** frase no título, Jakob Gramss, in Los insaciables.
"Invoco o nosso sonho/E ele é, ó meu Amor, pelos espaços/Fumo leve que foge entre os meus dedos." Florbela Espanca
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*Cortina de Fumaça, o primeiro, é dos posts mais acessados deste blog no último ano, com visualizações de todos os cantos do planeta. Por não nutrir nenhuma simpatia pelos "politicamente corretos" (e muito menos pelos políticos ou corretos) desdobro o tema aqui (como já o fiz, aqui). Em tempo: continuo sem fumar. E invejando os fumantes. Muito. Muito.
"Viver sem fumar é como escrever sem pontuação. A pequena cerimônia de acender um cigarro marca um "tempo": o princípio do dia, o princípio do trabalho, cada intervalo ou cada distração, o alívio (ou o prazer) de acabar qualquer coisa, o almoço, o jantar, o fim do dia - como um ponto que anuncia um novo parágrafo. O cigarro também é uma companhia. É um fiel amigo, a pausa que torna o resto tolerável. Com quem se pode conversar senão com o cigarro? De certa maneira, o cigarro substitui a humanidade... O cigarro divide, acentua, encoraja, consola. Abre e fecha. É uma estação e uma recapitulação. Os fumantes, se repararem bem, não fumam ao acaso; fumam com ritmo. Mas, principalmente, fumar serve para pensar. O cigarro concentra a ideia e acalma. Restabelece, por assim dizer, a normalidade. Por detrás de um cigarro, o mundo parece mais seguro. Mesmo se andam por aí a garantir que não."
Vasco Pulido Valente
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...et puis je fume!
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* Cortina de Fumaça, o primeiro, é dos posts mais acessados deste blog no último ano, com visualizações de todos os cantos do planeta. Por não nutrir nenhuma simpatia pelos "politicamente corretos" (e muito menos pelos políticos ou corretos) desdobro o tema aqui - e em outros mais, aguardem... Em tempo: continuo sem fumar. E invejando os fumantes. Muito. ** Sympathique - Je ne veux pas travailler é uma composição da banda norte americana Pink Martini, de 1994 [enganam bem, né? parece antiguinha...]. O grupo - com 12 componentes!-descreve-se como arqueólogos da música, com influências que passam pelos musicais da era de ouro de Hollywood, a música japonesa da década de 50 e a bossa nova. Em seus sete álbuns lançados, as canções aparecem em várias línguas, como o russo, espanhol, japonês, italiano e francês. Em 1997, o Pink Martini lançou esta composição que até hoje é a mais famosa da sua história. Sympathique (do álbum debut da banda) tem um som tão nostálgico que parece repertório da diva Edith Piaf.
"Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade e uma diminuição dos sentimentos de autoestima a ponto de encontrar expressão na autorecriminação e no autoenvilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição.
Isso sugeriria que a melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda da consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente à respeito da perda. [...] O melancólico exibe ainda outra coisa que está ausente no luto — uma diminuição extraordinária de sua autoestima, um empobrecimento de seu ego em grande escala. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego.
Mas é quando o melancólico em sua exacerbada autocrítica, descreve-se como mesquinho, egoísta, desonesto, carente de independência, alguém cujo único objetivo é ocultar as fraquezas de sua própria natureza chega o mais próximo de compreender a si mesmo. Fico imaginando, tão somente, por que um homem precisa adoecer para ter acesso a uma verdade dessa espécie."
Sigmund Freud
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* é o que eu penso agora: "que o estado natural do adulto consciente é uma qualificada infelicidade". Francis Scott Fitzgerald, The Crack-Up