sábado, 6 de abril de 2013

Coisa simples e pouca, mas...

Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.
Eugénio de Andrade
 




* estive fora do ar por uns dias. imersa no oceano, conectada à mim mesma. com os ouvidos e os sentidos sintonizados no fresco marulhar matutino e no estrondoso clamor noturno. do mar. de mim. ecoando 'inda mais forte nos meus vazios internos, agora mais ocos. crateras preenchidas de nada. expandidas por tanta água rolada, tanto leite derramado. no sábado que antecedeu a Páscoa, o barulho se fez silêncio e o dia ficou imenso. como a reverberar a "morte" do dia anterior: a pedra colocada sobre o túmulo. ou já aquele misterioso silêncio que prepara o renascimento - o intervalo misterioso onde se engendra a vida. o espaço entre o momento que se confirma que "tudo está consumado" e a insurreição. um silêncio preenchido por impasses, pela memória das travessias. um tempo amassado entre derrotas e esperanças, entre provação e júbilo. mas que anuncia, nas suas dobras íntimas, a esperada transmutação. não mais uma sôfrega indefinição: um intervalo entre o não e o que sou.

2 comentários:

  1. Seu melhor texto em muitos meses, sem dúvida.
    Doloroso, mas vívido, intenso e sem máscaras.
    Reencontro de si com renascimento das forças.
    O fim das provações trará enfim a libertação.
    Portas fechadas são portais de um novo tempo.
    As flores mais belas nascerão sobre o túmulo.
    Pulse com sangue novo e olhe com novos olhos.
    Nada do que virá será pior do que o que já foi.

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