sexta-feira, 3 de junho de 2011

O futuro do amor, do romance e do casamento


O casamento surgiu como instituição quando a esperança de vida era de 30 anos. Àquela altura, viver 20 anos com uma pessoa era possível, suportável. Hoje, com o aumento da expectativa de vida, todos os que conseguem passar mais de 60 anos com a mesma pessoa deveriam figurar no livro dos recordes, concordam?

Se há 100 anos encontrávamos o amor passeando pela praça ao redor da Igreja, agora buscamos nossa cara metade entre os rincões da internet. Como será dentro de alguns anos?

Entre 2000 e 2009, o site Cama na Rede, administrado pela psicanalista e escritora carioca Regina Navarro Lins reuniu histórias reais, desabafos, conselhos e muita polêmica. Os depoimentos dos internautas, aliados às análises da psicanalista, deram subsídio para seu mais recente livro, A Cama na Rede - O que os Brasileiros Pensam sobre Amor e Sexo (publicado pela editora BestSeller).

Ao reconhecer que nossas concepções familiares do relacionamento afetivo deixaram de funcionar e precisam de ser reequacionadas, Regina lança algumas sugestões sobre o futuro do amor, do romance e do casamento. Muitas podem parecer ousadas e até transgressoras por revelarem o quanto os valores tradicionais de relacionamento já não mais nos satisfazem, mas não há como negar: as mudanças "previstas" por ela já estão sinalizadas por toda a parte.

Abaixo, um apanhado das ideias da escritora, retiradas de entrevista concedida à Revista Bons Fluidos em abril deste ano.

  • A paixão e o romance A paixão está em vias de extinção. O amor romântico, calcado na exigência de exclusividade, começa a sair de cena porque contraria o principal anseio da sociedade atual: a busca pela individualidade, pelo desenvolvimento de nossos potenciais. A imagem de fusão - dois seres que se tornam uma unidade - deixa de ser atraente. Uma relação só tem sentido se nos ajuda a crescer e a nos desenvolver. Se estiver fundamentada na ética do sacrifício, na ilusão de que é preciso ceder sem limites, torna-se um fardo. Por essas razões, está surgindo um amor mais centrado na amizade e no companheirismo, sem a exigência de exclusividade. 

  • O Poliamor
    No futuro próximo, cada vez mais pessoas vão preferir se relacionar com várias outras do que se fechar em uma relação a dois. Não existirá mais um modelo preestabelecido que aniquila as singularidades. O que está no ar neste momento é o poliamor: a possibilidade de amar e ser amado por várias pessoas ao mesmo tempo. Caminhamos para isso. Mas não posso garantir que seja daqui a 10, 20 ou 30 anos. Se, no passado, alguém dissesse que as separações seriam corriqueiras e que as moças não se casariam virgens, as pessoas ficariam indignadas. É a mesma coisa. Há aspectos da história que demoram séculos para se firmar.

  • O  ciúme  Nós fomos acostumados a acreditar que o ciúme faz parte da natureza humana e do amor. Há quem fique arrasado se o parceiro não sente ciúme, entende que não é amado. O ciúme nasce do medo da perda. O fato é que saímos do útero materno, onde não sentimos frio, fome ou cólica e somos tomados por um profundo sentimento de desamparo. Mais tarde, a criança é ciumenta, possessiva e controladora porque se a mãe sumir ela morre, uma vez que necessita de cuidados físicos e emocionais. Isso é compreensível. À medida que crescemos, o natural seria abandonarmos esse comportamento. No entanto, na fase adulta, o indivíduo entra numa relação a dois nos moldes do amor romântico e acredita que ali vai conseguir reeditar a plenitude intrauterina. Nossa cultura favorece esse entendimento quando deveria estimular as pessoas a desenvolver a capacidade de ficar bem sozinhas e descobrir suas singularidades. 

  • O casamento  O casamento proporciona um modo de vida insatisfatório para a maioria, mas ainda há muita gente casando - como também há muitos divórcios. A tendência é o casamento tradicional e seus valores serem menos apreciados. Uma coisa é certa. As uniões duram cada vez menos porque o amor passou a fazer parte delas. Quando esse sentimento não era considerado, modelo que perdurou por milhares de anos, as expectativas eram outras. As principais: o marido ser provedor e respeitador e a mulher dona de casa prendada e respeitável. Com muita sorte, desenvolvia-se estima pelo cônjuge. Quando o amor entrou no casamento para valer, no século XX, as expectativas mudaram, passando a abranger realização afetiva e prazer sexual. Com isso, o nível de frustração das pessoas aumentou.

  • O desejo Por que o desejo acaba no casamento? A rotina, a excessiva intimidade e a falta de mistério acabam com qualquer emoção. Busca-se muito mais segurança que prazer. Para se sentirem seguras, as pessoas exigem fidelidade, o que sem dúvida é limitador e também responsável pela falta de desejo. A certeza de posse e exclusividade leva ao desinteresse, por eliminar a sedução e a conquista. É claro que existem exceções e que, em alguns casais, o desejo sexual continua existindo após vários anos de convívio. Mas não podemos tomar a minoria como padrão. Familiaridade com o parceiro, associada ao hábito, pode provocar a perda do desejo sexual, independentemene do crescimento do amor e de sentimentos como admiração, companheirismo e carinho. Acredito que a solução é as pessoas reformularem as expectativas que alimentam a respeito da vida a dois, principalmente quanto à exclusividade sexual.

  • A infidelidade  A preocupação com a fidelidade é uma paranóia coletiva, uma doença. E se a imensa maioria tem relações extraconjugais é porque variar é bom e não necessariamente porque algo vai mal no relacionamento ou porque deixaram de amar seus parceiros. Muitos são os que reprimem o desejo por outras pessoas em respeito ao parceiro. Mas isso tem um preço. Se você abre mão do seu desejo em consideração ao outro, este se torna devedor. Precisamos parar de perder tempo com esse clichê e encontrar maneiras de ser mais verdadeiros conosco e, portanto, mais felizes. Agora é evidente, se começo a sair com outros e deixo de apreciar a companhia do cônjuge, aí fica ruim.

  • Dá para ser feliz no amor? Para viver bem precisamos de coragem para romper com valores equivocados que nos foram transmitidos. As pessoas sofrem muito e desnecessariamente por causa de suas fantasias, desejos, medos, culpas, vergonha. Homens e mulheres só têm de se preocupar em responder a duas perguntas: sinto-me amado (a)? Sinto-me desejado (a)? Se a resposta for positiva, o que o outro faz quando não está ao meu lado não me diz respeito. Mesmo porque é uma ilusão achar que controlamos alguém. Precisamos, sim, manter a autoestima elevada, porque, quem o faz, não se deixa martirizar pela possibilidade de que vai ser trocado a qualquer momento. E se, isso acontecer, entender que faz parte da vida. Quem desenvolveu a capacidade de ficar bem sozinho pode até sofrer com a separação, mas vai saber tocar a vida, pois tem amigos, projetos, autonomia.

  • Nós seríamos mais felizes no amor e mais satisfeitos com nossa sexualidade se... nós nos relacionássemos de forma madura, ou seja, não esperando que o par amoroso satisfaça todas as nossas necessidades como se estivéssemos no útero materno. Se nós estivermos com alguém pelo prazer de estar juntos e não pela necessidade de aplacar a sensação de desamparo. Se nós entendêssemos que sentir desejo sexual por outras pessoas é absolutamente natural. As pessoas precisam reformular profundamente as expectativas que nutrem a respeito da vida a dois para serem mais felizes.

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* na imagem, o que pode ter sido o mais antigo caso de amor romântico da história da humanidade. Em 2007, arqueólogos desenterraram dois esqueletos do período neolítico, enterrados em um "abraço eterno" na região de Mântua, Itália, a 25 quilômetros ao sul de Verona, cidade onde Shakespeare situou a fábula de Romeu e Julieta. Pessoas do mundo inteiro têm especulado sobre as circunstâncias que rodearam a morte do casal. Só o que se sabe é que morreram jovens, porque ambos tinham todos os dentes intactos. Mas, além disso, os esqueletos são um mistério.

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