domingo, 17 de fevereiro de 2013

Da série Verdades Indissolúveis: o amado e o amante

"Em primeiro lugar, o amor é uma experiência da junção entre duas pessoas – mas o fato de ser uma experiência conjunta não significa que seja semelhante para as duas pessoas envolvidas. Há o amante e o amado, mas esses dois vem de países diferentes. Geralmente o amado é apenas um estímulo para todo o amor que permaneceu guardado no amante até aquele momento. E de alguma forma todo amante sabe disso. Ele sente em sua alma que o amor é uma coisa solitária. Ele aprende a conhecer uma nova e estranha solidão, e este é o conhecimento que o faz sofrer. 

Logo há somente uma coisa que o amante pode fazer. Ele deve abrigar o seu amor dentro de si, da melhor maneira que conseguir; deve criar para si mesmo um mundo interior totalmente novo – um mundo intenso e estranho, completo em si próprio. Devemos acrescentar que esse amante do qual falamos não precisa necessariamente ser um jovem economizando para comprar um anel de noivado; esse amante pode ser homem, mulher, criança, ou qualquer criatura humana sobre esta terra.

Agora, o ser que é amado também pode ser descrito. As pessoas mais remotas podem servir de estímulo para o amor. Um homem pode tornar-se um vovô caduco e continuar amando somente uma estranha garota que viu nas ruas de Cheehaw durante uma tarde, vinte anos antes. Um pastor pode amar uma mulher decaída. O ser amado pode ser traiçoeiro, sujo e cheio de maus hábitos. Sim, e o amante verá seus defeitos, tão claramente quanto qualquer outra pessoa – mas isso não afeta a evolução do seu amor. A mais medíocre das pessoas pode ser objeto de um amor selvagem, extravagante e belo como os lírios venenosos do pântano. Um bom homem pode ser o estímulo para um amor violento e desprezível, ou um louco grasnando pode trazer à alma de alguém um idílio puro e cândido. Portanto, o valor e a qualidade de qualquer amor são definidos somente pelo amante.

Essa é a razão pela qual a maioria de nós prefere amar do que ser amado. Quase todas as pessoas querem ser amantes. E a áspera verdade é que, de um modo secreto, a condição de ser amado é inaceitável para muitos. O amado teme e odeia o amante, e com toda a razão. O amante suplica qualquer relação possível com o amado, mesmo que essa experiência lhe cause nada mais do que sofrimento."




Carson McCullers, trecho da novela A Balada do Café Triste



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* "nunca amamos alguém. amamos tão somente a idéia que fazemos de alguém. é a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. isto é verdade em toda a escala do amor. no amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. no amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma idéia nossa" [Fernando Pessoa]. ** fotos: Vivian Maier.

2 comentários:

  1. Que seja amor, na sua plenitude, ja vale a pena... :D

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  2. O amor, esse enigma que nos devora a todos.

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