quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A mentira nossa de todos os dias


Não sei há quanto tempo comecei a mentir. Não sei o porquê. Mas minto - omito - meus motivos para esconder a verdade. Por que diria eu fatos à realidade?

Talvez tenha começado por mentir a mim própria. Uma mentira feita de ilusões. Uma mentira que, quem sabe, não poderia ser uma verdade mais tarde. Lá para os trinta, ainda faltavam muitos espaços do tempo.

Depois comecei a mentir aos outros. Cada um teve as suas mentiras próprias, personalizadas, feitas à medida do que se esconde ou do que não se tem para se esconder.

Menti de pés juntos, menti com os dedos cruzados, menti a rir, menti a chorar, menti sem esforço, menti com dores de peito. Mas menti e não me arrependo. A verdade ia-se fortalecendo.

A mentira de ilusões passou a ser só uma mentira, já não há tempo para ilusões. Os trinta chegaram e já há tempo passaram, mal disfarçados, à mercê das lentes de quatro dioptrias.

Então percebi que a verdade só pode existir no plano real, quando bate certo, quando tem reflexo. E me dei conta que ninguém quer viver uma verdade com uma mentirosa, uma iludida, uma falaciosa.
Agora eu quero finalmente dizer a verdade. Sem medo, sem lágrimas, sem esconderijos. Quero ver aquilo que existe e não o que eu procuro e, sobretudo, saber apreciar o que vejo, o que tenho, o que desejo.

As minhas mentiras vou eu confessando, esperando, esperando, que bem justificadas sejam menos feias, menos nauseabundas e mais inteiras. Porque hediondo não é os outros fumarem do meu ópio; é eu ver-te através de um caleidoscópio.
E então minto-me com a minha falsa coragem. O meu falso amor-próprio. A minha falsa integridade. Minto-me, porque talvez eu não mereça nada mais do que uma mentira frágil...

Não sei há quanto tempo comecei a mentir. Há muito tempo, certeza. Não sei por que minto, por que omito, por que escondo verdades. Mas por que daria eu fatos à realidade?

Talvez a verdade se tenha esgotado em mim. Talvez apenas me reste fingir que nada disto é assim.





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* um manifesto pela absoluta utilidade da mentira em nossas vidas.

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