se algum dia por acaso
eu voltar a rasgar a tua latitude neste planeta
podes abocanhar-me
caçar-me com os incisivos
balançar-me na boca
não aceites as minhas habituais desculpas de nómade
nem acredites quando te disser que tudo o que tenho
cabe dentro de uma mala
começa por enconder-me os sapatos
convence-me a destruir os mapas de viagem
e a engolir âncoras pedras
uma morada com número na porta
mesmo que o meu desassossego geográfico
estremeça a perna direita
debaixo da mesa e agite o metal dos talheres
não hesites
leva-me para tua casa
prova-me que não tenho que apanhar o último comboio da noite
que incendeia a costa e que me ajuda
a fugir todas as madrugadas
recebe-me nas zonas sem roupa do teu corpo
manobra-me a língua
usa-me
e quando a tua carne já não precisar de mim
amarra-me
cuida do meu sono temporário
obriga-me a dizer-te aquilo que os meus dentes
sem coração nunca autorizaram:
esta noite durmo contigo.
Hugo Gonçalves in "Tantas mãos, a mesma Primavera"
*
* nem sei precisar o que mais me espanta: que haja gente de verdade a viver nesta casa (que só poderia mesmo existir na Dinamarca, terra de contos de fadas) ou que haja tantos jovens talentos portugueses a escrever como se muita vida já tivessem vivido. haja!
Realmente, com uma casa dessas e com essa quantidade de livros, eu seria capaz de ficar longos dias sem colocar os pés na calçada... Detalhe 1- adorei o pet na porta (creio que tentando sair)
ResponderExcluirDetalhe 2- o mezanino com colchão na sala foi uma sacada de mestre!!!