sábado, 8 de dezembro de 2012

Feeling this way today

 
"Como tantos outros, procurei sempre encontrar um significado mais grandioso, ou simplesmente mais humano, para aquela linda frase de que morrem jovens os que os deuses amam. Para que não seja apenas uma frase bonita ou para que não queira antes significar a crença terrível de que os deuses só amam os que morrem jovens, assim como bestas desumanas que se alimentam da juventude ceifada. Não sei a resposta: desisti há muito de entender os deuses, de achar um significado humano para a desordem instaurada pelo divino. Sei apenas, no que aos homens diz respeito, que ficam eternamente jovens os que morrem jovens.

Também achei sempre que a beleza não tinha idade. Achei sempre isso, mesmo antes de deixar de ser novo. Um dia (não me lembro ao certo que idade tinha, mas ainda devia ser novo, a avaliar pelo que segue), estava sentado a almoçar sozinho no meu hotel favorito, no meu terraço favorito. Na mesa ao lado, almoçava uma senhora acompanhada por três cavalheiros. Ela estava de frente para mim e eu fiquei perturbado com sua extraordinária beleza. Fico sempre perturbado com as mulheres demasiado bonitas, nunca sei se são para ser olhadas ou evitadas, contempladas como merecem ou deixadas em paz, porque aquele dom não é culpa que se carregue para devassa alheia. Mas esta mulher parecia uma aparição, uma fada, saída da mata em frente, que era uma mata verdadeiramente encantada. Não estou a brincar, isto foi mesmo assim: eu estava deslumbrado pela beleza dela e ela devia ter uns setenta e muitos anos, talvez mesmo oitenta. Levantei-me no fim do almoço e, quando ia a passar pela mesa dela, não resisti e, em francês - porque a tinha ouvido falar em francês - perguntei-lhe delicadamente se podia dizer uma coisa. Ela fez que sim, com seus olhos de água, e eu disse-lhe exatamente o que pensava: que ela era, talvez, a mulher mais bonita que eu já tinha visto. Ela sorriu, um sorriso lindo mas triste, como se aquilo lhe causasse mais sofrimento do que alegria, pousou uma mão de dedos esguios sobre a que eu tinha apoiado na mesa e disse-me:

 - Oh, non, jeune homme, la beauté c'est la jeunesse! 

Uma frase cruel, sem apelo nem misericórdia, de cuja infabilidade não me desvencilho desde então."



 Miguel Souza Tavares, in No Teu Deserto





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* desde que vi esta foto do Jim Morrison no meu mural do facebook esta manhã (nascido num 8 de dezembro, há 69 anos) que não paro de suspirar - de tristeza, de nostalgia, de vencida, de tesão. como é possível uma beleza tão transcendente, tão mobilizadora, assim unânime, transgressora e infatigável? eu não entendo. não consigo. e o texto do Miguel Tavares, com todo seu brilhantismo, não me traz luz alguma, só faz lançar-me ainda mais na escuridão, um lodaçal de perplexidão...

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