segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Tanto mar, tanto mar...


"O mar, o mar, sempre recomeçado!" Paul Valery


"Onde há-mar, há-braços e sol-risos." (Anônimo)


"O mar é a religião da natureza." Fernando Pessoa


"Se todos os rios são doces, de onde o mar tira o sal?" Pablo Neruda, in O Livro das Perguntas 


"Ó mar salgado, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal?" Fernando Pessoa, in Mar Português

"Para o desejo do meu coração, o mar é apenas uma gota." Adélia Prado


Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Teu íntimo sentir, teu coração ardente.

Gostas de te banhar na tua própria imagem.
Dás-lhe beijo até, e às vezes, teus gemidos
Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
As queixas que ele diz em mística linguagem.

Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos;
Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos,
Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Os segredos guardais, avaros, receosos!

E há séculos mil, séculos inumeráveis,
Que os dois vos combateis numa luta selvagem,
De tal modo gostais numa luta selvagem,
Eternos lutadores ó irmãos implacáveis!

Charles Baudelaire, in As Flores do Mal

"De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua." 
  
Sophia de Mello Breyner Andresen


"Naquele momento o mundo parou. E das distâncias vieram as águas e o barulho do mar." Hilda Hilst 

"Para adiante! Pelo mar largo!
Livra o corpo da lição da areia!
Ao mar! - Disciplina humana para a empresa da vida!
Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas.
A solidez da terra, monótona,
parece-me fraca ilusão.
Quero a ilusão grande do mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.

Quero a sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,
e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia.

O alento heróico do mar tem seu apelo secreto,
que os homens sentem, seduzidos e medrosos.

O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.

Não precisa do destino fixo da terra,
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.

Tem um reino de metamorfose, para experiência:
seu corpo é o seu próprio jogo,
e sua eternidade lúdica
não apenas gratuita: mas perfeita.

Baralha seus altos contrastes:
cavalo, épico, anêmona suave,
entrega-se todo, despreza ritmo
jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado,
cego, nu, dono apenas de si,
da sua terminante grandeza despojada.

Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões:
água de todas as possibilidades,
mas sem fraqueza nenhuma.

E assim como água fala-me.
Atira-me búzios, como lembranças de sua voz,
e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino.

Não me chama para que siga por cima dele,
nem por dentro de si:
mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom.
Não me quer arrastar como meus tios outrora,
nem lentamente conduzida.
como meus avós, de serenos olhos certeiros.

Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu. 

Cecília Meireles, Mar absoluto


"Ergueste para mim os olhos, tão de mar que neles passavam barcos ao longe, vôos tranquilos de gaivotas". Rosa Lobato de Faria, A trança de Inês


"No mar estava escrita uma cidade" C. Drummond de Andrade, Mas viveremos



"Agora eu já sei, da onda que se ergueu no mar..." Tom Jobim, Wave


*







* Foi desde sempre o mar... nem só porque a morte e a vida nasceram nele, mas pelo ilimitado, incontrolável, imensurável, infinito, abarcador. Pelo que não tem nome... A terra é azul porque o céu espelha o mar? Ou é o mar que reflete o céu? Onde começa um e acaba o outro? Não sei onde está o limite. 72% de água salgada - mais da metade do que sou flui e se alastra e se movimenta com as marés. Como definir-me? Como limitar-me? Represar a sede em mim? Eu? Bebo horizontes! Que posso saber da vida? Que vem em ondas, como o mar, num indo e vindo infinito. Do seu significado? No fundo permanece o mistério absoluto: fendas abissais, monstros primitivos, tesouros perdidos. E a morte. Transformando rocha em areia. Areia em sal. Sal em vida. Assim para sempre. Sei que o mar é minha pátria. Meu pai e minha mãe. O amante que se compraz em seduzir e envolver. O lar onde meus olhos encontram conforto e a paz. O resto é mar, é tudo o que não sei contar. Mais nada.


** [nos sublinhados, as citações de: 1. Cecília Meireles (frase que inicia o poema Mar Absoluto); 2. Nelson Rodrigues; 3. Cecília Meireles (retirada do poema Noturno); 4. Lulu Santos (da canção Como uma Onda); 5. Tom Jobim (da canção Wave). no título, refrão da canção Tanto Mar, do Chico Buarque]

*** [os créditos das fotos 2, 7 e 9 vão para Raimundo Arrosi - 2 e 7, Balneário Camboriu; 9, Itajaí. A foto de número 4 é de Guaraci Zukoski, da Praia Brava, em Itajaí]

**** este é o post de número 700 do blog. vai dedicado ao leitor que pediu por um texto "mais explícito - luciene pura" [sic] e que revelasse a minha essência.

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