quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Da série Verdades Indissolúveis: da absurda força do que é frágil


A peculiaridade da maioria das coisas que consideramos frágeis é o modo como elas são, na verdade, fortes. Havia truques que fazíamos com ovos, quando crianças, para demostrar que eles são, apesar de não nos darmos conta disso, pequenos salões de mármore capazes de suportar grandes pressões. E muitos dizem que o bater de asas de uma borboleta no lugar certo pode criar um furacão do outro lado de um oceano. Corações podem ser partidos, mas o coração é o mais forte dos músculos, capaz de pulsar durante toda a vida, setenta vezes por minuto, não falhando quase nunca. Até os sonhos, que são as coisas mais intangíveis e delicadas, podem se mostrar incrivelmente difíceis de matar.

Histórias, assim como pessoas, borboletas, ovos de aves canoras, corações humanos e sonhos, também são coisas frágeis, feitas de nada mais forte ou duradouro do que 26 letras e um punhado de sinais de pontuação. Ou então são palavras no ar, compostas de sonhos e ideias - abstratas, invisíveis, sumindo no momento em que são pronunciadas - e o que poderia ser mais frágil que isso? Mas algumas histórias, pequenas, simples, sobre gente embarcando em aventuras ou realizando maravilhas, contos de milagres e de monstros, perduram mais do que todas as pessoas que as contaram, e algumas perduram mais do que as próprias terras onde elas foram criadas.


Neil Gaiman, na introdução de Coisas Frágeis




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* ocorreu-me que boa parte das coisas que mais tememos não são fortes, não detêm assim tanto poder - que são muito frágeis. as corporações, os exércitos, o dinheiro, a lei, as instituições. o câncer, os vírus, as bactérias, a velhice, os males do coração. nada mais que um amontoado de papéis, regras imperfeitas clamando pela transgressão, seres microscópicos que sobrevivem por exceção, temores que se alimentam de fragilidades... ocorreu-me, por consequência, que nas coisas que consideramos frágeis é que reside a imensurável força: na mulher que gera, na mãe que amamenta, no homem que protege a família, no bebê em seus primeiros estertores de vida - quanta força! e as palavras... palavras parecem frágeis. não duram mais que um instante. mas quando atingem o alvo, partem a mais rígida represa. fazem jorrar água suficiente para inundar o mundo inteiro. e não só as palavras ditas mas também as não ditas guardam imensa força. as palavras que morrem segredadas: vulcões dentro da gente, retesando lava e fogo e morte. há tanta força nos ínfimos detalhes, nos momentos fugazes, na troca veloz de olhares, na pequena descarga elétrica quando dois corpos se encontram e se compreendem. e não é incrível que nos relacionamentos, as pequenas coisas são as grandes coisas? a verdade que nos escapa é que a força está no que não vemos. no que não fenece e nos sustenta: o amor, a fé, a esperança. no frágil tempo presente, que é onde reside a possibilidade. nas ideias, nos desejos. nas memórias, que é o nascedouro de toda sabedoria. nos sonhos - "a carne e osso do amanhã".
Ainda ontem pensava que não era
mais do que um fragmento trêmulo sem ritmo
na esfera da vida.
Hoje sei que sou eu a esfera,
e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim.

Eles dizem-me:
"Tu e o mundo em que vives não passais de um grão de areia
sobre a margem infinita
de um mar infinito."

E no meu sonho eu respondo-lhes:

"Eu sou o mar infinito,
e todos os mundos não passam de grãos de areia
sobre a minha margem."
Kahlil Gibran
 
** foto: Roberta Frank, "Mary and Pablo", New york, 1951.

3 comentários:

  1. A única verdade indissolúvel é que o Jota deseja a vc e a todos os seus ...

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    Beijo[ta]

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  2. obrigada, Jota. desejo-te o mesmo, mas em dobro!

    (a verdade é que todas as verdades indissolúveis são únicas...)

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  3. Bela trilogia sobre as forças que habitam o frágil: texto do Neil Gaiman, texto da Luciene Vieira e poema do Kahlil Gibran. Dizem que o Diabo mora nos detalhes, mas eu acredito mais no Deus das Pequenas Coisas.

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