segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer



"Eu sinto fortemente que não é suficiente simplesmente viver no mundo como ele é e fazer o que os adultos disseram que você deve fazer, ou o que a sociedade diz que você deve fazer. Eu acredito que devemos estar sempre nos questionando. Eu levo muito a sério a atitude científica de que tudo o que você aprende é provisório, tudo é aberto ao questionamento e à refutação. O mesmo se aplica à sociedade. Eu cresci e através de um lento processo percebi que o discurso de que nada pode ser mudado e que as coisas são naturalmente como são é falso. As regras criadas pela sociedade não são naturais. Elas podem ser mudadas. E mais importante: há coisas que são erradas e devem ser mudadas. Depois que percebi isso, não havia como voltar atrás. Eu não poderia me enganar e dizer: 'ok, agora vou ali tomar uma cerveja'. Após me dar conta que eu poderia enfrentar os problemas fundamentais do mundo, eu não pude mais viver sem realizar isto."

Aaron Swartz, em 2009, aos 22 anos

 

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* Aaron Swartz tinha 22 anos quando explicou porque fazia o que fazia, porque era quem era. Aos 26, ele está morto. Foi encontrado enforcado em seu apartamento de Nova York na sexta-feira, 11 de janeiro. Provável suicídio. Talvez a maioria não o conheça, mas Aaron está presente em nossa vida cotidiana há bastante tempo. Desde os 14 anos, ele trabalha criando ferramentas, programas e organizações na internet. E, de algum modo, em algum momento, quem usa a rede foi beneficiado por algo que ele fez. Isso significa que, aos 26 anos, Aaron já tinha trabalhado praticamente metade da sua vida. E, nesta metade ele participou da criação do RSS (que nos permite receber atualizações do conteúdo de sites e blogs de que gostamos), do Reddit (plataforma aberta em que se pode votar em histórias e discussões importantes), e do Creative Commons (licença que libera conteúdos sem a cobrança de alguns direitos por parte dos autores). Mas não só. A grande luta de Aaron, como fica explícito no depoimento transcrito para o post, era uma luta política: ele queria mudar o mundo. E queria mudar o mundo como alguém da sua geração vislumbra mudar o mundo: dando acesso livre ao conhecimento acumulado da humanidade pela internet. E também usando a rede para fiscalizar o poder e conquistar avanços nas políticas públicas. Movido por esse desejo, Aaron ajudou a criar o Watchdog, website que permite a criação de petições públicas; a Open Library, espécie de biblioteca universal, com o objetivo de ter uma página na web para cada livro já publicado no mundo; e o Demand Progress, plataforma para obter conquistas em políticas públicas para pessoas comuns, através de campanhas online, contato com congressistas e advocacia em causas coletivas. Em 2008, lançou um manifesto no qual dizia: "A informação é poder. Mas tal como acontece com todo o poder, há aqueles que querem guardá-lo para si". Aaron foi enquadrado nos crimes de fraude eletrônica e obtenção ilegal de informações, entre outros delitos. Aaron seria julgado em abril. E, se fosse acatado o pedido da acusação, esta seria a sua punição: 35 anos de prisão e uma multa de 1 milhão de dólares. Aaron Swartz morreu antes, aos 26 anos. E, como disse Kevin Poulsen, na Wired: "O mundo é roubado em meio século de todas as coisas que nós nem podemos imaginar que Aaron realizaria com o resto da sua vida."

** no vídeo, excerto do documentário De Amor se Vive, realizado pelo cineasta italiano Silvano Agostini (1984) -  um resumo de entrevistas feitas com uma mãe, um transexual, um travesti, uma prostituta e um menino de 9 anos, Frank - cada um deles explicando sua forma de ver a vida, o amor, a ternura e a sensualidade. o mais surpreendente no relato de Frank, no trecho acima, além da sexualidade aparentemente precoce (humanos são seres sexuais - e as crianças não escapam disso, apesar da contemporânea idealização da infância e de preferirmos fechar os olhos a esta realidade da vida), é a ausência de temor, de repressão. Frank parece não sentir medo de suas emoções, do seu corpo, de sua natureza, do que as pessoas possam pensar ou fazer diante de seus atos e de suas declarações. uma vida rara, não contaminada pelo ego e eufemismos de que a vida é nociva ou com a necessidade desesperada de se sentir aceito. escrevo que 'parece não sentir medo' porque estou convencida que sim, que o conhece, que certamente já sentiu esta emoção, que sabe como ninguém onde colocar o medo: sob seu controle. por saber conviver de forma saudável com o medo que permite-se, que vive, que experimenta. e que nos perturba. porque viver a vida e o amor através do sexo é não só maravilhoso, mas uma forma de poder imensurável, é alcançar a verdadeira liberdade. por isso o sexo é tão mal visto pelo poder e proibido pelas instituições religiosas: é a revolução em sua forma mínima e embrionária. sexo é poder. mas tal como acontece com todo o poder, há quem queira guardá-lo exclusivamente para si.

***  o menino Frank e o jovem Aaron eram ternos, inocentes, plenos de amor e de coragem. simpatizamos com eles porque nos identificamos: estamos todos (muitos, incoscientemente) na conquista de nossa ternura e inocência, que em algum momento nos foi arrebatada. não sei onde a vida levou o menino Frank - temo saber. mas quando leio sobre Aaron Swartz, ele que acreditava tanto em mudar o mundo, é difícil não pensar: que mundo é esse que criamos onde jovens como Aaron e Frank são os raros?


[acima, trechos retirados do acachapante texto escrito por Eliane Brum para a revista Época, sobre a morte de Aaron Swartz. no título, frase de Carlos Drummond de Andrade, retirado do poema Os ombros suportam o mundo]

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