domingo, 13 de novembro de 2011

Breve história acerca de um longo - e amargo - conhecimento



"Esther despejava diariamente a alma no seu diário e mantinha com o marido o acordo tácito de que essse caderno ficaria guardado na gaveta da escrivaninha, cujas duas únicas chaves eram uma dela e a outra dele.

Deixava naquelas páginas os indizíveis que nem às paredes se confessam e largava mensagens para o outro, sabendo que este tinha, literalmente, a chave para as encontrar. Havia o acordo tácito de que ali tudo era possível e nada era proibido, naquelas páginas a liberdade dela era total e o segredo não existia.

Viveram assim durante anos, numa confiança selada a tinta e papel, até ao dia em que o marido abriu a gaveta e o diário não estava lá."

 
 
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* Perdi as vezes que ouvi da boca de meu pai o conselho "há que confiar desconfiando" - sempre, como ainda hoje - ouço-o arrepiando-me com o fel que essa verdade destila. E também não foram poucas as vezes em que me questionei sobre a confiança, essa linha tão tênue (quando no lugar deveria haver um pilar!) a sustentar as relações; não à toa, de forma mais ou menos sólida. Uma linha - uma só e muito fina - que treme a um sopro a estabelecer fronteiras sempre derrubadas. Se tudo muda, nós também mudamos e as relações se acomodam tectonicamente a estas mudanças. E assim com as fronteiras da confiança: ora diluem-se, ora esticam e encolhem ao sabor da conveniência, de forma sutil, imperceptível. Até o ponto em que nos percebemos em um jogo, com créditos e descréditos acumulados como fichas - até o momento da ruptura, quando o injustificável encontra o paliativo necessário. É aí que a linha expande-se e a confiança entra em terra de ninguém, sem lei e para além dela... ** a historieta acima é descrita no romance "A herança de Esther", do ioguslavo (ainda existe a Iuguslávia?) Sándor Márai (que eu não li) mas soube por Leonor, que escreve aqui.

2 comentários:

  1. É, essa foi forte, tão forte que nem no diário pode ser escrita... agora só respondendo a dúvida acima, a Iugoslávia não existe mais, agora pasmem... se dividiu em 8(oitooo) países independentes na década de 90, pode uma coisa dessas? Não acreditei quando li...

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  2. Eita! Leitor querido e inteligente já chega chegando com auxílio luxuoso: Eslovênia, Croácia, Macedônia, Sérvia, Montenegro, Bósnia & Herzegovina e Kosovo, que ainda não teve a indepêndencia reconhecida pela Sérvia (mas sete seria conta de mentiroso, melhor deixar mesmo...) Obrigada!

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