quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Mais diverso que o universo



Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Nada me prende, a nada me ligo, a nada pertenço.
Todas as sensações me tomam e nenhuma fica.
Sou mais variado que uma multidão de acaso,
Sou mais diverso que o universo espontâneo,
Todas as épocas me pertencem um momento,
Todas as almas um momento tiveram seu lugar em mim.
Fluído de intuições, rio de supor - mas,
Sempre ondas sucessivas,
Sempre o mar,
Sempre separando-se de mim, indefinidamente


Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), trechos, in Lisbon revisited, 1926
 
 
 
*
 
 
 
 
* já nem me impressiono mais: nunca me canso deste senhor que é sempre novo a cada releitura! ** (Sabe o que me ocorre sempre que o leio? Pessoa só ele. Eu sigo animal - selvagem e incivilizada...) *** na imagem, muro de Portugal, pois, pois, do flickr de tuna bites (que pertence a um grupo que fotografa mensagens escritas em paredes, no chão, nas portas e nos postes - poeticamente intitulado wall wisdom).

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