"É mais que geografia ou anatomia: a curva do teu ombro é também aquela curva perigosa da estrada para a praia, o cheiro da garapa misturando-se com a maresia, o pára-brisas coberto por insetos kamikaze, a música tão alta que não se ouve o motor.
E a boca? Comedora de verões em cada melancia que escorre pelo queixo, lábios que bebem direto no gargalo, língua com língua no jogo de quem beija mais. E os dedos fazendo granadas de areia molhada, as omoplatas sapecadas de sol, os joelhos esfolados no chão do quarto onde a humanidade inteira parece ter perdido a virgindade.
Todo o teu corpo é marcado pelo verão: tatuagens desbotadas pelo sol; essa fronteira entre a pele morena e a pele branca, que começa uns quantos dedos a sul do umbigo; o peito transpirado colando-se no tecido que esfria assim que sentes o ar condicionado; a comichão dentro do nariz se mergulhas e quase respiras a água salgada; a disponibilidade que a tua pele apresenta para indagar outras peles...
Em cada verão teu corpo recorda e renasce, para garantir que é no verão que tudo se exagera e revela.
Tem sido assim em todo lugar. Chega o verão e perde-se, uma vez mais, a ingenuidade da primavera. Os corpos dilatam, conseguem-se boas cicatrizes, as histórias aparecem, cabem mais pessoas e mais tempo nos dias longos.
Mas nesse teu corpo específico, o verão já começou há muitos verões.
O verão faz première no teu corpo."
Hugo Gonçalves
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* porque ainda não é verão, mas aqui já é... [Verão é um estado de espírito!]
Adorei a parte '' Chega o verão e perde-se, uma vez mais, a ingenuidade da primavera.''
ResponderExcluirVerão é o que há... ;)