sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A morte como conselheira


Tudo quanto vive, vive porque muda, muda porque passa; e, porque passa, morre. 

Tudo quanto vive perpetuamente — torna-se outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.

A vida é pois um intervalo, um nexo, uma relação, mas uma relação entre o que passou, o que passará, intervalo morto entre a Morte e a Morte. 

Bernardo Soares (Fernando Pessoa), Livro do Desassossego

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A questão não é a morte, mas a transformação: uma gota de chuva transforma-se em vapor, que passa a fazer parte de uma nuvem e cai em forma de chuva entranhando-se profundamente no solo, reemergindo como uma nascente borbulhante que se transforma num regato, depois num rio, que flui para o mar. Podemos dizer que a gota de água morreu? 

Em cada estado, é a mesma gota de água numa expressão diferente. A ideia de que tenho um corpo fixo trancado no espaço e no tempo é claramente uma miragem se as gotas de água do meu corpo tivessem sido oceano, nuvem, rio ou regato na véspera. 


A possibilidade de vidas infinitas se prolongarem para a frente e para trás é um conceito cativante: cada alma pode percorrer centenas de céus e de infernos. A morte é uma breve paragem numa viagem interminável da alma. 

                                                       Deepak Chopra

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O que é grande no homem, é que ele é uma ponte e não um fim: o que pode ser amado no homem, é que ele é um passar e um sucumbir. 

                                    F. Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

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A vida é dialética, e por isso não é lógica. A lógica significa que o oposto é realmente oposto, e a vida sempre implica o oposto em si mesmo.

Na vida, o oposto não é realmente oposto, mas complementar. Sem ele, nada é possível. Por exemplo, a vida existe por causa da morte. Se não houvesse morte, não poderia haver vida.

A morte não é o fim e não é inimiga; pelo contrário, por causa da morte, a vida se torna possível. Assim, a morte não está em algum lugar no final; ela está presente aqui e agora.

Cada momento tem sua vida e sua morte; senão, a vida seria impossível.


                              Osho, Tao - Sua História e Seus Ensinamentos
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A conquista do medo da morte é a reconquista do prazer da vida. Apenas é possível vivenciar uma afirmação incondicional da vida depois que se aceita a morte não como o contrário da vida, mas como um de seus aspectos. Desde sua gênese, a vida está sempre protegendo-se da morte, e às portas da morte. A conquista do medo alimenta a coragem da vida.

                                       Joseph Campbell, O Poder do Mito

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O mundo é mágico. 

As pessoas não morrem, ficam encantadas. 

João Guimarães Rosa



Presta atenção nas pausas, as pequenas,
que inesperadamente o destino te concede.
Um dia, "a-que-virá", surgirá assim.


                                                    Friedrich Doldinger

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Houve um tempo em que o nosso poder perante a morte era muito pequeno. E por isso os homens e mulheres dedicavam-se a ouvir a sua voz e podiam tornar-se sábios na arte de viver. 

Hoje, o nosso poder aumentou, a Morte foi definida como inim
iga a ser derrotada, fomos possuídos pela fantasia onipotente de que nos livramos de seu toque. Com isso, nós nos tornamos surdos às lições que ela pode nos ensinar. E nos encontramos diante do perigo de que, quanto mais poderosos formos diante ela (inutilmente, porque só podemos adiar) mais tolos nos tornamos na arte de viver. 

E, quando isso acontece, a Morte que podia ser conselheira sábia, transforma-se em inimiga que nos devora. Acho que para recuperarmos um pouco a sabedoria de viver seria preciso que nos tornássemos discípulos e não inimigos da Morte.

Mas para isso seria preciso abrir espaço em nossas vidas para ouvir a sua voz. Seria preciso que voltássemos a ouvir os poetas...


                                  Rubem Alves, A morte como conselheira



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* não adianta se enganar: a morte nos move - assim como o sexo (a origem da vida e - há quem diga - la petit mort); o amor (a enganação da morte) e Deus (o eterno - a negação da morte). para mim, é um tema fascinante - vira e mexe aparece por aqui. especialmente quando chega novembro (tento, mas não consigo deixar de pautar-me pelas efemérides...). ano passado foram cinco posts sobre o assunto - A última viagem; Día de Los Muertos (sobre a maneira colorida e festiva que os mexicanos encaram a morte); "belissima creatura", um poema do poeta gaúcho, Leonardo Marona; o premiado curta de animação La Dama y la Muerte e uma visão muito particular da morte, Um movimento e uma pausa. este ano, os 'pratos' não ficaram prontos a tempo e só o que consegui foi juntar todas as ideias neste bandejão com a aparência de comida fria e despersonalizada de buffet... A morte sabe-me assim, também: não pede passagem, não é sempre refinada, não se explica e nem dá motivos. e de que adianta falar de motivos? às vezes basta um só, às vezes nem juntando todos... [José Saramago].



e se rir desopila o fígado - este curta animado - mais um trabalho de formatura dos estudantes da The Animation Workshop - pode bem funcionar como digestivo para este sarapatel de letras  - e como lembrete: para alcançar a Valhalla, onde estão todos os fortes, os amigos, as riquezas e o néctar dos deuses, só "morrendo em batalha", ok? nada menos que isso...).

2 comentários:

  1. Quando eu chorava a morte de meu amigo chega o Benjamin e diz: "não chora, meu tatuí também já morreu"...simples assim.

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    1. Esta pode ser uma forma de aceitar a morte - com simplicidade.

      Mas as emoções e sentimentos que a Morte põe à tona são de grande complexidade.

      Encarar a Morte como um processo natural, ajuda a passar por estas sensações de uma maneira um tanto mais "saudável". É no que acredito e invisto.

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