Cortina de fumaça [8] - Maria Teresa Horta
Deixo que venha
se aproxime de leve
pé ante pé até ao meu ouvido
Enquanto no peito o coração
estremece
e se apressa no sangue enfebrecido
Primeiro a floresta e em seguida
o bosque
mais bruma do que neve no tecido
Do poema que cresce e o papel absorve
verso a verso primeiro
em cada desabrigo
Toca então a torpeza e agacha-se
sagaz
um lobo faminto e recolhido
Ele trepa de manso e logo tão voraz
que da luz é a noz
e depois o ruído
Toma ágil o caminho
e em seguida o atalho
corre em alcateia ou fugindo sozinho
Na calada da noite desloca-se e traz
consigo o luar
vestido de arminho
Sinto-o quando chega no arrepio
da pele na vertigem selada
do pulso recolhido
À medida que escrevo
e o entorno no sonho
o dispo sem pressa e o deito comigo.
Maria Teresa Horta, Poema
*
* porque hoje celebra-se o aniversário desta imensa poetisa portuguesa [Lisboa, 20 de Maio de 1937], eis, em palavras do corpo, o ato da criação poética, segundo MTH.
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