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segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cortina de fumaça [8] - Maria Teresa Horta



Deixo que venha
se aproxime de leve
pé ante pé até ao meu ouvido

Enquanto no peito o coração
estremece
e se apressa no sangue enfebrecido

Primeiro a floresta e em seguida
o bosque
mais bruma do que neve no tecido

Do poema que cresce e o papel absorve
verso a verso primeiro
em cada desabrigo

Toca então a torpeza e agacha-se
sagaz
um lobo faminto e recolhido

Ele trepa de manso e logo tão voraz
que da luz é a noz
e depois o ruído

Toma ágil o caminho
e em seguida o atalho
corre em alcateia ou fugindo sozinho

Na calada da noite desloca-se e traz
consigo o luar
vestido de arminho

Sinto-o quando chega no arrepio
da pele na vertigem selada
do pulso recolhido

À medida que escrevo
e o entorno no sonho
o dispo sem pressa e o deito comigo.
 
Maria Teresa Horta, Poema
 
  *
 
 
 
 
* porque hoje celebra-se o aniversário desta imensa poetisa portuguesa [Lisboa, 20 de Maio de 1937], eis, em palavras do corpo, o ato da criação poética, segundo MTH.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Sapere








 
 










...  
Gosto das palavras exatas, as que acertam
com o centro das coisas, e quando as encontro
é como se as coisas saíssem de dentro delas.

Essas palavras são duras como os objetos
que designam, pedra, tronco, ferro, o vidro
de espelhos quebrados com o calor da tarde.

Tento incendiá-las quando escrevo, como se
o fogo saísse de dentro da frase, e se espalhasse
pelo campo da página numa devastação de sílabas.

Então, atiro sobre as palavras outras palavras,
água, pó, terra, o ar seco do verão, para que a voz
não fique queimada nesta paisagem negra.

Recolho os restos, os adjetivos, os advérbios,
artigos, preposições, para que só as palavras que indicam
as coisas fiquem no lugar que já tinham.

Pouco importa que as frases percam o sentido. O
que fica são os nomes das coisas, para que as coisas saiam
de dentro deles e as possamos ver nos seus lugares.

Nuno Júdice
 
*
 
 
 
 
* ao Tiago Yonamine foi dito que as palavras são a matéria prima do pensamento. que quanto mais palavras conhecesse, mais ideias poderia ter. e já que as palavras não mudam de ideias, mas transformam-se em outras, por acúmulo (com direito a resgates ilimitados em milhas espaciais), criou o Glossário.
a mim, que já tenho como assumido meu fetiche por palavras, o tumblr Glossário (também no facebook) é uma espécie de vício, daqueles que não nos apetece parar ou abandonar. tipo, colecionar beijos.
[e eu gosto sempre de lembrar que é na intimidade da boca que os sabores são revelados. pela língua. e através dela. que tanto pode ser com o que se come ou com o que se fala, ou ouve, ou lê. saborear é "saber intimamente", "saber dentro". assim como saber e sabor vêm do mesmo latim - "sapere" - sem sabor não há saber]
"toda vez que conheço uma nova palavra para pôr no Glossário, emerge uma imensa vontade de mundo. de viver a cultura onde é justificável a existência de uma palavra específica para um sentimento que, até aquele momento, eu não conhecia pelo nome. e eu quero viver tudo." Tiago Yonamine.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Rapunzel às avessas


Procuro no dicionário uma palavra para este arroubo que me toma e bagunça as idéias, confunde o raciocínio, entrelaça as sinapses, tumultua as emoções e o léxico dá-me tantas palavras, tantas mais do que eu esperava, e faz sentido, em tantas sensações me transformaste: agitação, alarme, alvoroço, amotinação, borrasca, bulício, confusão, desassossego, desordem, distúrbio, embate, estrépito, estrondo, inquietação, levantamento, motim, perturbação, rebuliço, revolta, sedição, turbulência. E são apenas algumas, menos de metade, pois agora, diz-me o mesmo pai dos burros, que os antônimos são bonança, calma, harmonia, mansidão, placidez, quietação, sossego, tranquilidade... há que ter peito para afrontar senhores tão distintos quanto Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Luís da Câmara Cascudo ou Antonio Houaiss, mas já se foram, receberam todas as honrarias e coisa e tal, pois se callhou-me de agora contestá-los nem me faço de rogada, que as ideias como tentei explicar e nem sei se consegui, estão bem fora de propósito, e os cabelos já não me desmentem prova que são do nó tramado em que me enrosquei, e se cá tenho sorte é que não me chamo rapunzel que das tranças se salvou aiaiaiai que será de mim agora que a única antítese para este turbilhão, maior que um ciclone e feito um furacão puxando e arrancando-me as raízes do chão é tão somente TU?



*




* quis muito escrever um conto para essa imagem que tenho guardada há tempos e que vem me inspirando. hoje saiu isto: nem um conto, nem coisa alguma, mas que ficou romântico de doer, do jeito que eu desejava.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sotaques, nomes e sons (ou assim é se lhe parece)


  • Vahina Giocante, 30, é atriz
  • e francesa.
  • mas tem um nome que soa italiano, não lhe parece?
  • ...
  • gosto de imaginar um carabiniere romano pronunciando seu nome:
  • [grosso, lungo, grasso...]
  • vahinagiocantevahinagiocantevahinagiocantevahinagiocante
...
  • como só um nome próprio pode nos suscitar tantas impressões?
  • porque, para mim, Vahina Giocante é muito mais feliz do que eu. 



*




* antes que você se pergunte: não, os pais da Vahina não são hippies. mas são artistas. Vahina significa "bem vindo" na ilha de Madagáscar.