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* pois só quando junho chega ao fim que inicia o inverno de minh'alma...
E então, a amiga perguntou por perguntar, apenas iniciando a conversa, e então, perguntou acendendo um cigarro, sem interrogação, e então, como vai a vida de casada.
Vai bem, ela respondeu, vai bem, quer dizer, em alguns momentos é ótima, alguns poucos momentos não são tão bons, ainda não tivemos um instante realmente terrível.
Mas como é na maior parte do tempo, a amiga perguntou, agora com um ânimo frouxo, uma quase ansiedade que fez com que repetisse com um pouco mais de energia: como é?
Na maior parte do tempo, você sabe, ela respondeu, na maior parte do tempo é rotina. Porque tudo é assim, casamento, filho, o emprego dos sonhos, tudo é acomodado em dias, e os dias são um conjunto de poucos momentos ótimos, alguns momentos bons, poucos momentos terríveis e, na maior parte do tempo, rotina.
É acordar, fazer o café, arrumar a mesa, ir ao banheiro, esquecer alguma coisa, voltar para pegar, suspirar, lembrar de alguma coisa e ir.
É comer uma fruta, pagar a fatura do cartão de crédito, telefonar para alguém, fazer planos, consultar as horas, rir de alguma bobagem, pensar em algo sério, tentar esquecer alguma coisa.
A maior parte do tempo é olhar o mundo automaticamente, olhar o mundo com a intimidade de quem já habita há algum tempo este mundo, o velho mundo de sempre, é olhar o mundo com a intimidade de quem está misturado ao concreto, passa reto pelos cruzamentos, faz parte da paisagem.
Sofrer, se divertir, trabalhar, sonhar, planejar, se desiludir, ansiar, rir, degustar alguma angústia amarga que veio sem avisar na tarde de uma terça-feira, assim é a maior parte do tempo.
A maior parte do tempo é descolada das circunstâncias, é cega e não tem tato – apenas existe, apenas varre, passa como o vento, levando tudo, como se nada fosse muito grande ou muito pequeno. A maior parte do tempo é a massa, a forma, é onde a maior parte da existência se dá, a maior parte do tempo é o lado de fora, fora dos grandes dramas e das delicadezas miúdas.
A maior parte do tempo é o que nos escapa.
Liliane Prata, A maior parte do tempo
"Tudo se resume a não se apegar aos seus pensamentos e sentimentos.
Não significa parar de pensar ou sentir. Isso seria impossível. O que eu sugiro é a percepção de que os pensamentos e as emoções são apenas ideias e sensações fluindo por nós. Quando olhamos para o céu, observamos nuvens fluindo através dele - aproximando-se, distanciando-se ou se dissolvendo. Algumas parecem tomar a forma de animais, faces, objetos. Não há a mínima possibilidade de segurar ou agarrar-se a qualquer uma das formas, ou mesmo a qualquer uma das nuvens. Só nos é possível observá-las e vê-las flutuar. Nossas mentes são da mesma forma. Pense que elas são como um vasto céu claro. Nossos sentimentos, emoções e pensamentos são como nuvens. Eles flutuam, aproximando-se e tomando forma, para em seguida, afastarem-se. O segredo é não se apegar a eles. Somente quando nos apercebemos disto é que nos tornamos disponíveis para controlar mente e corpo, ao invés de sermos controlado por eles.
Esta prática também sugere que não devemos tratar nossos pensamentos com seriedade excessiva e a rir deles (ou simplesmente ignorá-los) quando sentimos que não somos nós, mas nossos egos no controle. É assim que criamos a possibilidade de construção de nossa verdadeira liberdade e paz interior."