Existe uma fábula indiana, contada em Varanasi, que fala de três vultos que foram vistos bebendo no rio Ganges ao amanhecer.
O primeiro era Deus, pois que Ele tomou da água e bebeu ambrosia.
O segundo era humano, pois bebeu a água e se saciou.
O último era um demônio, bebeu e cuspiu imundície.
O que você recebe é fruto da sua própria consciência.
...
- Lembrei-me deste conto, recontado por Joseph Campbell em um de seus livros, enquanto lia Jeff em Veneza, Morte em Varanasi, do jornalista e escritor britânico Geoff Dyer.
- Dyer é um autor premiado no Reino Unido e que esteve no Brasil ano passado na Flip (Feira Literária de Parati-RJ) - justamente para o lançamento do livro que li.
- Mas não foi isso que me mobilizou em trazer o livro para a casa, do balcão de lançamentos da livraria, onde o vi pela primeira vez.
- Foi pela resenha, que prometia um romance contemporâneo sobre o desejo em todas as suas manifestações - "o desejo de sensações, de fuga e de se tornar outra pessoa, seja por meio do amor ou da arte, seja através do entorpecimento ou da transformação espiritual".
- A resenha não me enganou - apesar de ter suscitado uma expectativa que não se concretizou com sua leitura.
(ah! o excesso de expectativas... a frustração é medida pela
distância entre a realidade e as nossas expectativas)
distância entre a realidade e as nossas expectativas)
- Ainda assim, fiquei encantada com a visão crua, fleumática e distanciada (como sói aos ingleses) que o autor faz da cidade sagrada de Varanasi.
- Imperdíveis suas impressões sobre o trânsito, sobre o colorido dos ghats e templos ao longo do Ganges; a presença relaxada dos animais, como macacos, elefantes, cachorros e até de improváveis golfinhos e cangurus!
- E a massa de seres humanos? Tantas crianças, comerciantes, mendigos, doentes, debilitados, gurus, turistas...
- E a onipresente fumaça dos funerais intermináveis? As cinzas ofuscando os sentidos, encobrindo a realidade...
- E não seria esse mesmo o real intuito? Em meio ao excesso de sons, de cores, de sabores, de aromas, de deuses, de gente, enfim, a única possibilidade é refugiar-se no interior, no nossa profunda intimidade para após, reconhecer a Índia como o lar da espiritualidade na Terra.
...
- Jeff em Veneza, Morte em Varanasi, não foi meu livro definitivo sobre a Índia. Antes houve Salman Rushdie. E Rohinton Mistry, com Um Delicado Equilíbrio (uma "bíblia" sobre a Índia).
- Mas foi em suas páginas que me encontrei finalmente com algumas verdades que me perseguem
- como o aforismo do título deste post [Como um homem pensa em seu coração, assim ele é], atribuído a Jesus Cristo, no livro de Isaías;
- e a moral da fábula transcrita por Campbell [O que você recebe é fruto da sua própria consciência];
- que o verdadeiro poder reside na crença;
- e que não há diferença entre a fé e o conhecimento - que estas são, tão somente, mais duas das maravilhosas expressões destiladas da humanidade. Belas metáforas que fornecem pedras de toque, insights de sabedoria, ensinamentos essenciais para a navegação correta e satisfatória dentro da existência humana.
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- para entrar no clima de Varanasi, o videoclipe de Burial, de Miike Snow
- (se Gabriel Garcia Marquez escolhesse o cinema e não a literatura, faria algo parecido com isso;
- melhor, se Garcia Marquez fosse uma cidade, seria Varanasi).
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* para Jenniffer, secretária do consultório do pediatra, que me pediu sobre o que era o livro que eu estava lendo.
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